domingo, 14 de dezembro de 2008

Faial à vista


De partida para a ilha, com o pensamento turvo e o corpo a pedir descanso, evoco aqui a poesia do mestre florentino Pedro da Silveira, que soube como ninguém cantar o Faial e descrever sentimentos que também são meus.

«3. (FAIAL À VISTA)


Ilha: como uma ave melancólica
Vagarosa
Desvelas-te
Num ermo de neblinas.

E é assim como se ela
(não a ilha: a tal ave melancólica)
Emergisse d’um sono
Que não teve começo.

…E é diferente de todas
Esta indecisa,
tantas vezes vivida
primeira manhã de me ausentar.»

Pedro da Silveira, Diário de Bordo, in Fui ao mar buscar laranjas

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A democracia que os açorianos merecem

O ano de 2008 ainda não chegou ao fim, mas vai ficar certamente para a história como um dos mais escandalosos de sempre na Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Depois do caso da estranha troca de presidentes da ALRA, ontem à noite o mais improvável aconteceu, quando pela primeira vez na história daquela instituição o programa do Governo foi aprovado sem ser votado pelo Parlamento. A notícia é chocante, mas infelizmente é verdadeira e legal. O novo presidente do Parlamento açoriano estreia-se da melhor forma e prova que a traição não é a sua única virtude. Mais de 30 anos depois do 25 de Abril, esta é a democracia que existe nos Açores. E a ver pela abstenção nas últimas eleições, é de facto a democracia que os açorianos merecem.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

As ilhas, segundo Miguel Sousa Tavares

Terminei hoje a leitura de "Equador", o magnífico livro Miguel Sousa Tavares, que devorei numa semana de leitura vertigionosa, vivida com a intensidade dos grandes romances. Sei que o devia ter lido há muito, mas estes quase quatro anos de espera na carregada prateleira cá de casa só fizeram bem, porque me permitiram esquecer os ecos do muito que li e ouvi sobre ele.
Terminei as suas 518 páginas absolutamente exausta, mas estranhamente reconfortada com o trágico final. Ainda no processo de digestão de tão densa obra, retive já uma frase que não esquecerei jamais.
«As ilhas são lugares de solidão e nunca isso é tão nítido como quando partem os que apenas vieram de passagem e ficam no cais, a despedir-se, os que vão permanecer. Na hora da despedida, é quase sempre mais triste ficar do que partir e, numa ilha, isso marca uma diferença fundamental, como se houvesse duas espécies de seres humanos: os que vivem na ilha e os que chegam e partem.»
A estas intensas palavras de Miguel Sousa Tavares, atrevo-me a acrescentar que falta uma terceira espécie: a dos que não conseguem deixar a ilha, apesar de estarem sempre a chegar e a partir. Essa é a minha espécie.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Pensar a vida a escrever

Reli há pouco, com prazer, a entrevista do escritor V. S. Naipaul (Prémio Nobel da Literatura em 2001) ao Suplemento P2 do Público, publicada a 26 de Novembro último, e quero aqui reter uma frase que me marcou acima de todas as outras: «Não é a viagem sozinha que nos muda, é o acto de a escrever, de pensar. Muitas vezes não sabemos o que pensamos sobre certa experiência até escrevermos sobre ela.»
Falando sobre a imperatividade do escritor viajar para conhecer o mundo, Naipul acaba por descrever a escrita como uma forma de clarificar a vida e os sentimentos que por vezes nem sabemos que temos. É como se só vivessemos plenamente aquilo sobre o qual escrevemos.
A ideia pode parecer disparatada para muitos, mas para mim faz todo o sentido. Mais do que pensar enquanto escrevo, eu penso a escrever. E sei que quando me sento a escrever sobre as experiências que vivi esse passado parece ganhar vida própria. No fundo, é como se eu própria só vivesse enquanto escrevo. Talvez por isso não hesite em dizer que se não escrevi, é porque não vivi.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Contagem decrescente


O Natal ainda vai longe, mas eu já entrei em contagem decrescente. Não para a festa, mas para o regresso ao porto de todos os abrigos. Daqui a uma semana estarei de volta à ilha, para as merecidas férias natalícias, junto às raízes e ao calor da família. Até lá, o tempo será medido pela importância dos dias em falta. Sei que as horas vão parecer minutos quando quiser agendar nelas todos os compromissos inadiáveis. Sei que os segundos vão parecer horas quando as memórias ficarem à deriva. Sei que vou arrumar as malas à última da hora e dormir mal na última noite. E tenho a certeza que quanto mais perto estiver daquele pedaço de encantamento maior será a vontade de sucumbir à vertigem da saudade.

Crédito da foto: Mário Leal

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Manhãs azedas


Não suporto este frio que faz das manhãs um calvário desnecessário. Ainda mal despertei e já me entra nos olhos com a ardência de uma cebola arisca, que insiste em mortificar a sensibilidade alheia. Do lado de dentro da janela, insisto em rejubilar com esse céu azul, banhado pelas águas macias do rio e recortado pelo verde negro da paisagem. Mas mal abro a porta da rua, entro numa guerra desigual e perco cada batalha diária para essa temperatura azeda, que insiste em cortar-me a pele ao primeiro contacto e penetrar-me nos ossos antes que eu consiga dar um passo. Respirar o ar matinal tem sido, para mim, uma tarefa complexa, rodeada de cuidados extremos e panaceias imensas. E como se não bastassem as alergias da estação, ainda tenho de aturar esse frio gélido, que insiste em fazer do Outono um Inverno cruel. Por estes dias, amaldiçoo estas estações trocadas e todos aqueles que só as sabem emaranhar.

Monges rendidos ao mercado puro

Enquanto os grandes países rodopiam ao sabor da crise económica e o PCP rejubila com as dificuldades do povo (porque prova o fracasso do capitalismo, nas palavras de Odete Santos), os Monges do templo de Shaolin rendem-se à economia de mercado. A notícia do Público online só prova que nem em tempos conturbados o budismo zen entra em stress.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A importância de ser premiada


Primeiro resisti. Gosto de nadar contra a corrente e não me deixar amarrar no primeiro cais. Depois, reflecti, analisei, pesquisei e acabei por me render à simpatia dos que acham que A Ilha Dentro de Mim é merecedora de maiores atenções.


Em pouco mais de um mês, este espaço recebeu dois prémios provenientes da blogosfera, um Brilhante Webblog 2008 vindo do conterrâneo Geocrusoe e um Prémio Dardos vindo pela inesperada mão do poeta de Águas do Sul.


Sei que a blogosfera exige retorno ao que dá, por isso venho agora cumprir a responsabilidade que me foi exigida, elegendo o blogue da Reimão como Brilhante Webblog 2008.

E porque este mundo virtual tem possibilidades infinitas de momentos brilhantes e de grande sensibilidade, vou escolher apenas um punhado de mundos criativos para o prémio Dardos, que visa "reconhecer o empenho de cada blogueiro ao transmitir valores culturais, éticos, literários e pessoais, e que demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas palavras”.


Assim, os meus Dardos vão para:

- as linhas perfeitas do Fogo de Letras;
- a poesia verde do Desambientado;
- a sensibilidade d'A Anatomia dos Sentidos;
- o valor patrimonial do recém-nascido Horta XXI.

Aos distinguidos cabe agora aceitar, ou não, a responsabilidade de levar estes prémios a outras paragens. A escolha é só deles.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A poesia da geodiversidade

Porque a geodiversidade açoriana é tão rica quanto a sua alma, recomendo um momento de perfeita açorianidade que encontrei nas linhas do poeta Desambientado.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Amanhecer



Luz que dói na escuridão,
correndo o pântano da dor
com sua leveza e brilhantina.

Fio de incandescência,
que deixa transparecer
os pontos negros da alma
e os vazios do pensamento.

Esperança fina, ténue
como a dor quando arranca,
antes de surgir em força
e profundidade.

Suave toque de brisa
voando sobre a tempestade,
com a ligeireza da bruma
que não tem medo das raízes
de força bruta,
nem dos trovões de som eterno.

Lídia Bulcão


Crédito foto: Azorina/ Gilda Pontes

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Círculos de eterno retorno


Ainda eu não tinha nascido e já Eugénio de Andrade conseguia escrever o que eu haveria de sentir, mais de três décadas depois: «Há dias, há noites em que as águas se movem lentas na minha memória. Movem-se? Daqui as vejo imóveis, com esse peso do verão sobre o corpo.» E como pesa esse peso de que o poeta fala, ainda que seja outro Verão, outro corpo, outras memórias. Por estes dias, as águas quase nem se moveram dentro de mim, correndo lentamente em círculos de eterno retorno. E, à semelhança do poeta, também eu pergunto: «Como esquecê-las?»

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Fortes com memórias

Vista da vigia do Forte da Espalamaca (Foto: Lídia Bulcão)


Porque o tempo, por vezes, parece não ter passado e os assuntos de ontem ganham hoje uma estranha actualidade, deixo aqui uma crónica que escrevi para o semanário Tribuna das Ilhas. Foi publicada já lá vão seis anos, mas pode ser lida como se tivesse saído hoje.

«Quanto mais tempo passo nesta terra, mais me convenço de que há lugares maravilhosos ao nosso lado, cuja existência mal conhecemos. Porque estão longe dos olhos, porque o caminho não é acessível, ou simplesmente porque o acesso é proibido ao comum mortal.

O Forte da Guia e o Forte da Espalamaca, que visitei pela primeira vez esta semana, são dois desses lugares que a vista não alcança e que encerram verdadeiros tesouros. Não daqueles que valem muito ouro, mas sim dos outros. Daqueles que nenhum dinheiro pode pagar.

Neste caso concreto, encerram os dois melhores miradouros que a cidade da Horta poderia alguma vez ter. Ou não fossem os melhores postos que o exército encontrou para proteger a baía que ancorava as frotas dos aliados durante a II Guerra Mundial.

Quem sobe ao miradouro do Monte da Guia, está longe de imaginar o outro lado. Depois de ver a Ermida, olhar as caldeirinhas e a vista sobre Porto Pim, imagina-se um pouco mais da cidade e nada mais. No entanto, do outro lado do monte, que é ainda mais alto, a panorâmica de sempre ganha outra vida.

À medida que o caminho se vai percorrendo, a Horta vai-se descobrindo e com ela a baía em todo o seu esplendor. Depois do olhar sobre a cidade, vem a visão das caldeirinhas com as águas quase turquesa por baixo, a Ermida da Guia no cimo e as pastagens verdes da ilha por detrás.

Na outra ponta da cidade, no Forte da Espalamaca, o tesouro é outro e com um valor muito mais histórico. Por baixo das pastagens que todos vemos, estão vários túneis, com centenas de metros e muitos labirintos, assustadores só para quem não conhecer os cantos à casa, como o sargento Fontes, que guiou a comitiva e apresentou os recantos. Na saída de um dos túneis, há uma vista maravilhosa sobre a Horta e sobre todo o canal. Pelo meio, muitas clarabóias, pequenas salas, antigas camaratas e até instalações sanitárias.

O Forte da Espalamaca é, no fundo, a memória de um tempo que há muito passou pela ilha, mas que ali ainda parece respirar. Talvez porque o ar não cheira mal e a humidade não penetrou nas paredes. Talvez porque a ferrugem não penetrou nos metais e as roldanas continuam a funcionar como se tivessem sido usadas no mês passado. Mas, sobretudo, porque a história que ali se fez ainda está por contar. E, se não nos apressarmos, ficará por contar para sempre. Porque a venda daquele espaço a um qualquer comprador pode significar a destruição da história que é de todos nós.»

Lídia Bulcao, in Tribuna das Ilhas de 11/10/2002

Em nome das nossas memórias

Vista do Forte do Monte da Guia (Foto: Lídia Bulcão)

Porque há assuntos que estão mais actuais do que nunca, porque há linhas que não devem cair no esquecimento, porque há reacções que se deviam repetir, deixo aqui esta crónica que escrevi para o extinto semanário Terceira Expresso, já lá vão seis anos.

«A venda em hasta pública de alguns imóveis do Estado, dos quais se destacam o Forte da Guia e o Forte da Espalamaca, situados na ilha do Faial, teve sobre a Região um efeito que poucos acontecimentos conseguem. É que com excepção das frequentes calamidades que nos atingem - ora a umas ilhas, ora a outras -, raras vezes se ouvem os vários partidos políticos e outras entidades açorianas erguerem-se a uma só voz para defender uma causa.
Neste caso, não sei se foi a falta de consideração da República, que nem se deu ao trabalho de nos avisar, ou se foi a falta de respeito pela preservação da nossa tradição e do nosso património que mais indignou os partidos, o Governo, a Assembleia e outras instituições. Mas isso também não é o que mais interessa. O que interessa verdadeiramente é que aconteceu. E esperemos que se venha a repetir muito mais vezes.
Sabemos que somos pequenos, somos poucos e ainda por cima estamos repartidos em nove bocadinhos de terra. Mas talvez seja preciso lembrar de vez em quando que não é por isso que temos menos força. O que nos enfraquece e nos diminiu são as divisões, as invejas e os bairrismos desnecessários.
Os Forte da Guia e da Espalamaca são, indiscutivelmente, dois marcos importantes na história do canal Faial-Pico. Ou não tivessem sido os melhores postos que o exército encontrou para proteger a baía que ancorava as frotas dos aliados durante a II Guerra Mundial. São, no fundo, a memória de um tempo que há muito passou por estas ilhas, mas que ali ainda parece respirar.»
Lídia Bulcão, in jornal Terceira Expresso, Outubro de 2002

Fortes do Faial vão ser alienados outra vez!

Já tinha ouvidos uns zunzuns, mas pensei que era boato... Entretanto, uma notícia já atrasada deu-me a certeza de que já não se pode confiar em ninguém. O Governo da República vai mesmo alienar 28 imóveis nos Açores e entre eles, pasme-se, encontram-se novamente o Forte da Guia e a posição da Espalamaca, desta vez acompanhados pelo Quartel do Carmo, pela Carreira de tiro e pelo Paiol geral.
Quando, há seis anos, o Instituto Açoriano de Cultura, a Câmara Municipal da Horta e os deputados regionais do PS, do PSD e do PCP eleitos pelo círculo do Faial uniram esforços para evitar a venda em leilão daqueles dois ex-libris da ilha, o assunto pareceu ficar resolvido.
Os fortes da Guia e da Espalamaca foram então retirados da venda em hasta pública pela Direcção-Geral do Património, do Ministério das Finanças, e a autarquia faialense reiterou publicamente o seu “interesse na aquisição do Forte da Espalamaca”, uma pretensão que perseguia desde 1997, “com vista a promover a instalação no local de um núcleo um núcleo museológico com as memórias da presença militar no concelho da Horta”.
Qual não é o meu espanto quando, por estes dias, vejo que os mesmos dois bens militares (já para não falar sequer dos outros três) voltaram a fazer parte de uma nova lista de bens a alienar. O que se passou entretanto? Quem falhou neste negócio? A Câmara? O Governo? Ou o dinheiro?

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Águas agitadas no parlamento açoriano

De tricas e laricas se fiam as teis da política açoriana. E, hoje, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores tem estado ao rubro com tanta actividade. Fernando Menezes foi trocado na presidência por Francisco Coelho, ex-líder da bancada parlamentar, que agora fica nas mãos de Hélder Silva, ex-secretário do Ambiente. A tomada de posse foi às 15h00, mas as águas no Parlamento ainda estão demasiado turvas para se vislumbrar o fundo.

Mecenas procura-se!

Quando penso que já poucas coisas me podem surpreender, aparece sempre mais uma para me deixar sem palavras. Alguém me explica como é que, num país com tantos milionários como o Brasil, não há nenhum mecenas capaz de salvar a Fundação Casa de Jorge Amado? Perante a falta de gente capaz de salvar o património cultural de um dos maiores escritores brasileiros, a família do escritor vê-se obrigada a leiloar a colecção de obras de arte do escritor para salvar a fundação. É muito triste!


sexta-feira, 14 de novembro de 2008

De relance

Uns segundos de relance foi quanto bastou ao olhar para o coração saltar. Saltar não sei bem se é a palavra, porque pareceu mais parar. Durante uns instantes congelou, como se não houvesse amanhã e a eternidade fosse agora.

Esse gelo depressa se transformou em lava quente, prestes a explodir em qualquer direcção. Num instante de segundos, o olhar desviou os movimentos do corpo, que não deixam de marcar um rumo seguro. Caminhando, não olhando, mas sempre vendo, como se a vida fosse um filme que passasse apenas nas laterais do ecrã plano.

Na distância de um segundo, o coração voltou a saltar. Mais calmo, menos explosivo, mas ainda assim ritmado por um compasso de esperança. A esperança de que algo de estranho aconteça. A esperança de que o medo seja apagado e o desejo se construa em segurança.

Mas a segurança não abriga desejos, nem se compadece de futuros incertos. Prefere atravessar a rua, com passos convictos de incerteza nenhuma. E rumar ao porto de todos os abrigos, onde o vento não entra, mas a tranquilidade também não chega.

César baralhou e voltou a dar

Costuma-se dizer que em equipa que ganha não se mexe. Talvez por isso Carlos César tenha mantido a nova equipa governativa quase intacta, com excepção de três caras novas. Mas a verdade é que não devia estar nada satisfeito com o desempenho dos seus trunfos, porque resolveu baralhar tudo e voltar a dar. Saiba mais aqui.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Um escritor para não perder de vista



Primeiro Jacinto Lucas Pires, agora Gonçalo M. Tavares. Definitivamente, a semana está a ser grandiosa para os nossos jovens escritores. A notícia chegou-me pela Ler, mas parece que ontem já estava no Ciberescritas. Contudo, nada vi nos jornais online. Devo estar muito distraída...
O escritor português acaba de ser premiado em Itália com o Prémio Internacional Trieste 2008, atribuído ao livro “1″, originalmente publicado na Relógio D’Água.
Quando o seu livro Jerusalém foi premiado com o Prémio José Saramago, em 2005, lembro-me do Nobel português dizer do autor uma frase simples: "Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!" Agora, acho que já é tempo de reconhecer: dá vontade de o ler!

A desorganização dos pessoanos






Bem dizia Eugénio de Andrade que Pessoa servia para tudo. Olhando para as notícias do Público online aqui e aqui , é caso para dizer que nem os pessoanos conseguem "pôr ordem na arca" do poeta.







quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ainda há perfeitos milagres!


Boas novas para a jovem literatura portuguesa, que cada vez mais se arregaça por esse mundo fora. Prova disso é a notícia de que o escritor Jacinto Lucas Pires foi galardoado com o Prémio - David Mourão-Ferreira, um galardão que vai levar as já muitas obras deste jovem escritor aos países da União Europeia e do Mediterrâneo. Parabéns ao Jacinto e, sobretudo, aos seus futuros leitores. Afinal, ainda há perfeitos milagres!


Crédito da foto: Luísa Ferreira,1997

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Palavras de Eugénio para Nemésio


Porque os homens são humanos, porque o tempo nem sempre é justo, porque a literatura portuguesa por vezes se esquece dos nomes que melhor a personificaram, deixo aqui uma homenagem de Eugénio de Andrade a Vitorino Nemésio. Foi escrita alguns anos depois da sua morte, mas continua muito actual, já que, longe das ilhas, a obra de Nemésio continua muito desconhecida.

«A VITORINO NEMÉSIO,
ALGUNS ANOS DEPOIS

Ninguém te lê os versos, tão admiráveis
alguns, e a prosa não tem muitos leitores,
embora todos reconheçam, mesmo os que
nunca te leram, que é magnífica.
A moda é o Pessoa, coitado: dá para tudo;
e a culpa é dele, com aquela comovente
incapacidade para ser ele próprio.
De nada lhe serviu ter dito e redito
que a fama era para as actrizes.
Que vocação de carneiro têm as maiorias:
não há fúfia universitária ou machão
fardado que não diga que a pátria
é a língua ou a puta que os pariu.
Não, contigo, isso não pegou. Durante anos
e anos arrumaram-te na prateleira:
eras o Cavaleiro das Tristes Figuras.
Conversão ao catolicismo, fretes ao estado
novo, prémios do sni não ajudavam muito
a que te lessem, além de haver outros poetas
a festejar, por sinal bem medíocres, mas
«democratas
convictos», coisa que dizem que não foste.
Isto de morrer pela pátria não é para
todos e tu, decididamente, para a morte
não tinhas nenhuma inclinação. Afinal,
além dos alciões a quem davas os olhos,
só tinhas versos, e alguns bem maus,
coisa aliás de pequeníssima importância,
como exemplarmente, depois de morto, provou
Pessoa, que está, como se sabe, no paraíso.
Coitado, pensava ter tempo para pôr ordem
na arca, mas a morte veio antes da hora.
Contigo ao menos isso não aconteceu,
bebias menos, pudeste arrumar a casa.

Nada disto importa já, e de resto
que lêem esses que lêem quando lêem?»

Eugénio de Andrade, 1983
homenagens e outros epitáfios, in Poesia

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

São Martinho adiantado





O Verão de São Martinho chegou aqui um pouco adiantado. O Sol já brilha alto e o calor aquece a alma de quem sonha com castanhas, sempre quentes e boas no rezar dos pregoeiros. As minhas chegaram ontem, de avião. Vieram directamente da ilha, apanhadas na quinta dos avós e entregues por mãos amigas. Amanhã, vai ser um dia privilegiado. Nem sequer vai faltar a delicada Angelica para acompanhar...

sábado, 8 de novembro de 2008

Pormenores criativos


Mais uma oportunidade para apreciar os pormenores criativos da ilustradora Rute Reimão, que com as suas mãos de fada consegue sempre desencantar vida onde ela parece já não existir. A exposição senão a ti - a ti é inaugurada hoje na loja/atelier Rosa Malva e pode ser visitada até ao próximo dia 4 de Dezembro. Se passar pelo Porto, não perca esta oportunidade. Se não passar, vá até ao blogue da ilustradora e descubra mais pormenores de encantar. Só para quem não medo dos sentimentos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Folhas de Outono



Secas, duras e estaladiças são as folhas do Outono,
como as almas doloridas, que se quebram ao primeiro abano.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vidas amontoadas









Para quem ainda tenha ilusões sobre o valor da vida depois da morte, deixo aqui este instante, captado no cemitério dos Flamengos, na ilha do Faial. Estas vidas amontoadas são apenas o retrato de como os vivos já não olham pela memória dos seus mortos.

Crédito da foto: LBulcão

He did it!


Baracka Obama conseguiu. Ele foi eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América e fê-lo levando os americanos afogados em crise a acreditar que um futuro melhor ainda é possível. Hoje, o dia é do homem que não teve medo de sonhar e de todos os que acreditaram que era possível ir mais longe do que os sonhos. Em hora de euforia, não há como deixar de celebrar a vitória da esperança num País que estava a deixar-se entrar em ruína. Que tenha sido também uma lição para o mundo!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Borlas para combater abstenção

«Algumas das maiores cadeias de lojas norte-americanas estão a oferecer produtos ou descontos aos cidadãos que votem hoje. Café, gelados, 'donuts' ou sandes, de tudo um pouco se pode conseguir à borla no país do 'Tio Sam'.»
Esta notícia acaba de cair no Expresso online e poderá ser, quem sabe, a solução que os açorianos precisam para o problema da abstenção crescente no arquipélago. Inspirem-se aqui.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Contigo ao lado


Sei que paisagens como esta não precisam de palavras, e que palavras como as do mestre Pedro da Silveira - que abaixo reproduzo - conseguem ser eternas sem qualquer imagem que não a produzida pelos seus próprios versos. Ainda assim, aqui as junto, porque não consigo olhar para uma sem pensar na outra.

«4. (Demandando Porto)

Monte Queimado: chaga preta!
Dentro de ti, sei lá,
ainda o fogo rebenta
intestinos de pedra.

Mas a cidade deita-se a teu lado,
dorme contigo,
acorda
contigo ao lado.

E contigo, sem medo,
em mil navios navega,
contigo sabe os nomes
de mil navios mortos.

É um deserto a baía!

O Monte Queimado,
a cidade,
a baía…»


Pedro da Silveira, Diário de Bordo, in fui ao mar buscar laranjas


Crédito Foto: Lídia Bulcão

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Adeus, Anjo da Guarda


“Vocês têm que a deixar ir!” Por mais anos que viva, não vou esquecer jamais estas palavras, ditas com uma doçura seca, como se anunciasse a coisa mais simples do mundo. Estava na hora, já devíamos saber, a mãe tinha de partir. Mais dia, menos dia, o momento haveria de chegar. Tínhamos de a deixar ir embora, dizia a mulher, como se estivesse a conversar com uma criança, que não deixa a mãe sair para o trabalho.

Quando ouvi aquelas palavras, foi como se as não tivesse ouvido, quase como se o meu cérebro se tivesse recusado a registá-las, por ordem do coração, apertado na dor e na ansiedade da despedida. Mas o coração registou tão bem que tornou mais sofrível os segundos em que olhámos o médico de frente e ouvimos as palavras que temíamos há muito. No íntimo, sabíamos que os intermináveis minutos passados nas urgências tinham sido os últimos da sofrida vida da minha mãe.

Hoje, quando penso na mulher que ajudava a cuidar dela, vejo-a sempre naquela sala de espera, acompanhada pelas filhas, tentando ser para nós o que a minha mãe já então não podia. Naquele momento, ela foi a mão que nos embala a dor e empurra para a frente. Naquele momento, aquela mulher, quase desconhecida para mim, tornou-se parte da família.

Há uma semana, ao receber a notícia repentina da sua doença, voltei a vê-la naquela sala de urgência e a sentir a dor do sofrimento. E só desejei que o seu fosse infinitamente menor do que o da minha mãe.

Ontem, o sofrimento dela acabou. Durou uma semana. Foi muito pouco para as filhas, que nem tiveram tempo de digerir a primeira notícia. Mas foi com certeza mais do que suficiente para ela, que durante anos viu de perto a dor dos outros, que cuidou de muitas vidas até à exaustão.

O Anjo da Guarda da minha mãe partiu com a missão cumprida. Que descanse em paz!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O cinema que dá vida à cidade da Horta


A partir de hoje e até domingo o cinema vai dominar a vida da pacata cidade da Horta, com o arranque da quarta edição do Faial Film Fest, o Festival de Curtas da Ilhas que começa a tornar-se um caso sério no meio cinematográfico.

Criado pelo Cineclube a Horta para estimular a criação e a produção local de filmes, o evento ousou ir mais longe e atravessou fronteiras, começando agora a colher os frutos da sua ousadia com o reconhecimento a nível nacional e internacional.

A presença do realizador brasileiro Fernando Meirelles e a estreia nacional do seu polémico filme "Blindness", inspirado no livro de Saramago, será provavelmente o ponto mais alto da edição deste ano, mas não será o único. A homenagem ao realizador português Fernando Lopes e a ante-estreia do seu último filme "O meu amigo Mike ao Trabalho" promete também dar que falar.

Porque a ousadia é a pedra de toque do Faial Film Fest, a organização foi mais longe e este ano faz arrancar o certame com uma homenagem póstuma ao escritor picoense Dias de Melo, que contará com depoimentos de Victor Rui Dores e Sidónio Bettencourt. Será portanto um Festival de Curtas que dá espaço a outras formas de arte, já que alguns eventos musicais e outras acções paralelas vão também ocupar uma parte importante da programação.

Mas como as verdadeiras ousadias só o são porque desafiaram e venceram, parabéns ao Cineclube da Horta, que com este sucesso dá uma chapada sem luva aos responsáveis pela Câmara Muncipal da Horta, que mais uma vez não deram qualquer apoio financeiro a um evento que projecta bem alto o nome da cidade da Horta.

domingo, 26 de outubro de 2008

A liberdade vem de barco


«Sentada por entre uma conversa de saudade, uma amiga picoense constatava o seu espanto pela última moda nas ilhas do Canal. “Agora, toda a gente tem um barco!”, dizia ela, parecendo incrédula por se gastar tanto dinheiro numa vedeta ou num semi-rígido. E tudo só para ir dar uma voltinha ali pela costa ou ir à pesca ali ao largo.

Para a minha amiga, economista de formação, esta moda é apenas mais um sinal do consumo desenfreado de uma sociedade cada vez mais mergulhada em dívidas e muito pouco preocupada em pagá-las.

À primeira vista, o raciocínio dela pareceu-me lógico. Não faz muito sentido investir tanto dinheiro num barquinho para usar só ao fim-de-semana, especialmente quando, na maior parte dos casos, ainda se está a pagar as prestações da casa e do carro ao banco.

O argumento, dizia eu, parecia-me lógico, mas só por si não me convenceu e fiquei a matutar naquilo. Afinal, também eu, que nunca fui de seguir modas, há muito que sonho ter um barquinho que me leve por esse mar adentro, em busca de aventuras e saudades. Claro que nunca passou de um sonho, como muitos outros que nos vão alimentando os desejos e fazendo seguir com a vida. Mas ainda assim é um sonho, que cada vez mais me parece ter origens na ilha que há dentro de mim.

Desconfio mesmo que há algo mais por detrás desta dita moda, que rapidamente tem enchido os ancoradouros das marinas açorianas. E quanto mais penso nisso, mais tenho a certeza que não é por acaso que todo o ilhéu alimenta essa ânsia de possuir um barco só seu.

Ainda que nos dias de hoje poucos deixem a ilha por mar, o caminho marítimo continua a ser a estrada que todos os ilhéus desejam trilhar. E aí o barco é, sem dúvida, o elo que faz a ponte com o mundo exterior.

Não digo que o barco represente apenas “a vontade encapuçada de partir, de cortar as amarras que prendem o açoriano ao cárcere ilhéu”, como lhe chamou Carla Silva Cook, no seu livro “O Menino Escreve – Infância e Adolescência no Universo Nemesiano”. Embora sinta que um simples barco pode ser a viagem para outros caminhos, não o vejo apenas como um “modo de apartamento da ilha”, ainda que “também de regresso possível”.

Mais do que uma forma “de cortar as amarras” que o prendem à ilha, acho que o barco é uma outra forma de as reforçar. Não porque permite desfrutar intensamente dos privilégios do mar, mas sobretudo porque dá ao ilhéu a liberdade de escolha. É como se ter um barco ancorado no porto equivalesse a ter uma porta de emergência, daquelas que nunca usamos mas por onde sabemos que podemos sair a qualquer momento.

O ilhéu de hoje continua a não querer estar preso no isolamento da ilha, mas também não a quer abandonar. Prefere antes ter um barco e sentir-se livre. Não de partir, mas de ficar.
»

Lídia Bulcão, in jornal Avenida Marginal, 23/10/2008


Crédito Foto: @LBulcao

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mortalha

O nó do lençol desfaz a minha alma,
que se abre qual linho de uso diário,
esfrangalhado de tanto vestir,
macio de tanto bater e encharcado
no odor da vida que foi.

Lídia Bulcão

Ladaínhas de dor

Rituais se lavraram
e cânticos se entoaram,
ladaínhas de dor
rezadas com afinco.
Tarefa ingrata esta,
limpar o ardor da morte
quando a vida ainda
se sente tão quente.

Lídia Bulcão

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O cheiro da civilização

Ao passar pela feira mensal de Coina no último fim-de-semana, com a sua habitual confusão de trânsito, gentes e chão de poeiras infindáveis, dei por mim a voar para Portobello Market, em Londres. Ex-libris de Notting Hill, Portobello Market é uma mescla de mercado, feira e multiculturalidade.

Há legumes frescos, roupa de qualidade, antiguidades, artigos de decoração, raridades e velharias. Há vendedores de sempre e trocas de mercadorias, tesouros que se exibem mas ninguém compra, velharias que são disputadas e sobretudo muita mistura de gentes e culturas.

São salsichas alemãs com pastelaria inglesa, são frutas frescas e peixe no gelo, são panelas e tachos, baús e cabides, quadros, espelhos, molduras, moedas, selos e vinis. São roupas modernas para o Verão e barracas com artigos em segunda mão. Botas velhas recuperadas, sapatos engraxados e malas encardidas. Há de tudo para vender, logo há de tudo para comprar. E há, sobretudo, gente que tudo procura e ali encontra.

Há cheiros no ar. Há confusão nas ruas, atafulhadas mas transitáveis. As barracas nas laterais dos passeios permitem ao trânsito circular. Mal, mas, ainda assim, circular.

Há conversas e negociações, há confusão, há misturas e há até avisos claros de que os carteiristas andam por lá. Mas não há gritos, não há discussões, não há empurrões.

Há gente, muita gente. Locais, turistas, e de outros regiões da cidade ou do País. Há indianos, asiáticos, africanos, árabes, europeus e até americanos. Mas não há guerra, nem tão pouco se nota o preconceito.

No mercado de Portobello Road há uma mescla de gente e culturas. Mas há sobretudo o cheiro da civilização.

Crédito foto: @LBulcao

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A ilha de Pedro da Silveira

Porque me falta o mar da ilha e os murmúrios das ganhoas
deixo aqui as palavras do mestre Pedro da Silveira,
poeta florentino que tão bem soube descortinar a alma açoriana.




«ILHA

Só isto:
O céu fechado, uma ganhoa
pairando. Mar. E um barco na distância:
olhos de fome a adivinhar-lhe à proa
Califórnias perdidas de abundância.»

Pedro da Silveira, A Ilha e o mundo (1952)/
in fui ao mar buscar laranjas - Livro 1


@GCabaça/ ImagDOP

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O poeta por detrás da figura pública


Muito já se disse e escreveu sobre Francisco José Viegas. Que é escritor, jornalista, cronista, bloguista, homem de cultura e dos prazeres, amante dos livros e dos Açores. Poucos lhe chamam poeta e, sinceramente, não consigo perceber porquê, se é na poesia que mostra a sua veia maior. Resta-me apenas pensar que seja por desconhecimento, por ignorarem ainda as linhas em que o poeta derrama a sua alma. Deixo, por isso, aqui um exemplo, para que conheçam um pouco o outro lado da figura que a televisão tornou pública.






«SE ME COMOVESSE O AMOR

Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia

caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer

o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.

Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.»

in "Se me Comovesse o Amor", Quasi Edições


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

62 anos de uma vida construída a dois


Ontem, os meus avós maternos comemoraram 62 anos de casados. Isso mesmo, 62 anos de uma vida construída a dois, com todos os altos e baixos que se esperam numa qualquer vida, recheada de momentos felizes e intercalados com outros mais difíceis.
Pelo meio desses 62 anos de casamento, criaram duas filhas, viram nascer quatro netas e conheceram o tardio prazer de um bisneto, sem nunca deixarem de ser um pilar na comunidade que os rodeia. E quando a vida parecia já nada lhes poder ensinar, sentiram a amarga dor de perder uma filha.
Aos 80 anos de idade, os meus avós aprenderam ainda que a vida nos reserva sempre mais do que esperamos dela. E hoje, apesar da dor que não acaba e do sofrimento que não esquece, os meus avós ainda são capazes de sorrir.
Quando vejo o brilho que ilumina os olhos do meu avô cada vez que olha para o bisneto, percebo que a felicidade pode ser uma coisa muito simples. E ao ouvir a transformação na voz da minha avó quando fala com o meu filho ao telefone compreendo que, afinal, a lonjura só nos aparta do que não amamos.

Para eles, o meu amor e a minha homenagem.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Quando a realidade rouba a poesia

Há momentos em que a realidade nos rouba a poesia,
esquartejando as linhas que outrora sonhámos
e devorando os sons que nos guiavam nos dias difíceis.

Leiam aqui o certeiro texto de Pedro Santos Guerreiro,
director do Jornal de Negócios, e percebam porquê.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Inspirador

A ilha não é, nem pode ser, uma prisão para o talento.
Que a história de Rodolfo Vieira seja tão inspiradora
quanto a sua música. Aqui.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Viagem pelo futuro

Vagueio por entre os livros que nunca irei ler, pelos países que não conhecerei, pelos sonhos que não chegarei a realizar. Vagueio tanto que me perco no horizonte daquilo que gostaria de ser. Penso no futuro que chega depressa e na velocidade que não consigo abrandar, como se o tempo tivesse o acelerador encravado e os amortecedores partidos. Sei que o mapa está na minha mão e que as estradas ainda têm escapatórias. Só não sei se serei capaz de trocar o intinerário principal por um atalho desconhecido, ainda que o destino final possa ser aquele que sempre procurei.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

The sea of suspicion



Sometimes, I feel myself a believer. Others, a truly sceptic.
Most of the time, I'm between extremes, in the sea of suspicion.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Para quem procura o compasso certo


Conheço vidas que parecem partituras perfeitas, onde as colcheias e semi-colcheias se baralham tão naturalmente que mais parecem ter sido escritas a partir de um outro mundo. Mas há outras vidas, tão baralhadas e confusas, que parecem não caber numa partitura, onde cada ritmo tem sempre de encontrar o compasso certo. É a essas que dedico este Dia Mundial da Música, na esperança de que um dia consigam fechar os olhos e embriagar-se com os sons da sua própria harmonia.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A propósito de «Tanta gente a escrever Açores!»

«A pouco e pouco, os escritores açorianos vão-se deixando de nebulosidades narrativas e optam decisivamente por uma escrita que parte do eu para os outros. Não prescindindo da sua condição insulada, estes autores têm vindo a abrir-se ao enigma do mundo, numa escrita que busca espaços do universal. Este é seguramente um caminho a ser trilhado. Para que a açorianidade literária não se deixe ficar ensimesmada nas ilhas.»
Victor Rui Dores, in Tribuna das Ilhas


Não podia concordar mais com a necessidade de abertura da escrita açoriana, de que fala Victor Rui Dores na última edição do Tribuna das Ilhas.

Já em tempos escrevi na imprensa micaelense, mais precisamente no extinto Jornal dos Açores, que era «tempo da nossa literatura sair da bruma e ir ao encontro de outros horizontes». Estávamos então em 2005 e, a propósito do encerramento da editora Salamandra, defendi que «mais do que uma editora que seja um "porto de abrigo", como a Salamandra, o que a literatura açoriana precisa é dum porto de partida para outras paragens».

Hoje, continuo a defender que então escrevi na minha crónica do Jornal dos Açores. «Para que os "escritores açorianos se façam finalmente ao mar", como recomenda o jovem escritor Nuno Costa Santos, é preciso acima de tudo muita coragem para enfrentar as críticas e ultrapassar os desânimos. O mar longe da costa pode ser muito bravo. E só os verdadeiros lobos do mar conseguem ir e vir sem se perder pelo caminho.»

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Um mergulho sem escafandro


Cada vez que folheio imagens do passado, sinto-me viajar para um outro tempo, quiçá outra vida. E lembro-me das palavras de José Eduardo AguaLusa, no seu romance Vendedor de Passados:

«A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em andamento. (…) São coisas que correm diante dos nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram. Talvez as tenhamos sonhado. Já me falha a memória, dizemos, e foi apenas o céu que escureceu.»

Sátira feroz à actual sociedade angolana, este maravilhoso romance é também um mergulho sem escafandro no mundo da memória e dos seus equívocos. Lembra-nos quão fácil é o passado entrar pelo presente adentro, com a força de um oceano revolto, que não mede as forças e provoca estragos. Mas também nos faz perceber quão frágeis são as recordações que constroem a nossa vida e nos preenchem os vazios.

Recomendo uma espreitadela à vida de Félix Ventura, o vendedor de passados falsos. Garanto que a leitura é vertiginosa.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Memórias de amor








Dengosas memórias que se escapam no ar
Fugidas, molhadas, perdidas sem mar

Sufocos contidos e rotas amargas
Letras da vida, saudades pesadas

Verdades perdidas na terra sem cor
Encontros sentidos e memórias de amor


Lídia Bulcão

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Adeus ao último gigante do mar açoriano

Era um homem do Pico, mas sempre se sentiu bem no Faial. Gostava de visitar a cidade que o encantou na juventude e matar saudades das conversas com os amigos de outros tempos. Entrevistei-o há cinco anos, para o Tribuna das Ilhas, e fiquei fã do homem que soube transformar a ilha negra numa obra maior.

Vitor Rui Dores chamou-lhe em tempos "baleeiro da literatura açoriana". E a verdade é que poucos souberam, como ele, trabalhar a solidão e a distância, criando perfeitas Toadas do Mar e da Terra, espalhadas por uma vasta obra literária, que vai do conto à crónica, passando pelo romance e pela poesia.

O homem que nasceu na terra das Pedras Negras e do Mar ao Rubro, a 8 de Abril de 1925, morreu hoje, 24 de Setembro, em Ponta Delgada.

Morreu o último gigante do mar açoriano. Morreu o homem e o escritor, mas não a sua obra, que se quer eterna, como eternas serão as memórias das gentes do mar que ele tão bem retratou.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Triângulo imperfeito
















Turquesa morna, azul profundo, laranja escaldante
Triângulo de uma vida feita de pinceladas
Oceano de cores tranquilas e traços marcantes
Floresta de vazios perdidos e socalcos penetrantes

Lídia Bulcão

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pensamento de Mestre


Vitorino Nemésio não tem quem o iguale na intuição da açorianidade. Nem Raul Brandão tem quem ombreie com a originalidade das suas pinceladas. Talvez por isso seja impossível deixar de pensar neles quando atravesso o Tejo.

Não obstante desaparecidos, parece que os vejo a olhar o rio e os ouço descrever a sensação de cortar as águas. Reparam na luz, que faz o amanhecer brilhar. Reparam na cor, que se transcende e confunde o olhar. Reparam na transparência das águas, ou na imensa falta dela. E reparam sobretudo no cheiro. O cheiro que de um lado é leve e do outro marcante, que de um lado encanta a alma e do outro quase a enterra. O cheiro que, longe de ser suave e delicado, é profundo e quase revoltante.

Parece que consigo vê-los em cima do cais, parados de frente para as águas, fechando os olhos e sorvendo o ar. Consigo perceber que o respiram suavemente, como se de um delicado néctar se tratasse; que o retêm nos pulmões uns segundos, como para apurar a sua estrutura e profundidade; e que depois o expiram, com a velocidade que a idade ainda lhes permite e a repulsa que o corpo não disfarça.

E nem preciso aproximar-se mais para captar a força dos seus pensamentos mais imediatos: “Só um idiota toma este rio por mar!”

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Rotinas e novos mundos


Setembro tem sido mês de regressar, recuperar, redecorar, reorganizar, enfim, de recomeçar. Retomam-se algumas rotinas, mas também se dão novos passos, em direcção a outros futuros, que esperamos sempre melhores.

Para o meu filho, esses passos estão a ser bem maiores. Levam-no à primeira escolinha, ao pátio das brincadeiras e à cadeirinha dos saberes. É bom, é necessário, mas também é duro.

Deixá-lo lá pela manhã custa tanto como se o estivesse a enviar para o outro lado do mundo. E daí que não está longe da verdade. É ali que ele vai de facto partir para o mundo, para o seu mundo. A partir de agora, nada será como dantes.

Verão na ilha





Foi bom poder mergulhar sem sentir os ossos a quebrar. Foi bom poder brincar sem deveres para cumprir. Foi bom poder inspirar sem ter o ar atravessado. Foi bom poder relaxar sem o peso da vida. Foi bom, muito bom. Mas mais uma vez soube a pouco. As férias acabaram e o Verão está a ir embora. Vale-nos a ilha, essa, que vem cada vez mais dentro de nós.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O poder dessa avenida

«Percorro a avenida de lés a lés, com a velocidade que o pensamento permite e a saudade que o coração aguenta. Já lá vai quase um ano que não lhe sinto a calçada, nem lhe gabo a vista. Mas nem por isso deixei de lhe cheirar o ar de maresia, de lhe ouvir o estalar das ondas no paredão, ou de me arrepiar com os salpicos daquele mar.

Mesmo de olhos fechados, consigo sentir o rossio no ar e o salitre na pele. Mesmo de olhos fechados, consigo saborear o salgado dos lábios, que incessantemente pedem água para matar a sede. Só que esta sede não se mata apenas com água, porque a doçura do líquido não extingue a sagacidade da alma, que não dorme sequer a pensar no que o corpo lhe pede.

Mas será que pode o corpo pedir o que a distância não deixa ver? Pode a alma sofrer com a ausência do que não tem? Não só pode, como exige, como anseia desesperadamente. Como se disso dependesse a sua existência. Como se todo o mundo não bastasse para a saciar. Como se a força do mar sugasse a seiva do corpo e dele fizesse uma pedra de sal, pronta a desfazer-se ao mais pequeno estremecer.

Agora, de olhos abertos, percorro o Tejo, o Sado, o Douro, o Sena e o Tamisa. De olhos abertos, vejo o mar de Sesimbra, de Setúbal, do Algarve, do Mediterrâneo e até do Adriático. Mas, por mais que abra os meus olhos e desperte os mais profundos sentidos, não consigo captar o que os meus olhos vêem quando estão fechados, pairando sobre a marginal dessa inquieta avenida, que insiste em mergulhar no mar todos os meus pensamentos e vontades de ser.»

Lídia Bulcão, in jornal Avenida Marginal, 4/7/2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

"Fôlegos urbanos quase reais"



Título: Praça de Londres
Autora: Lídia Jorge
Editora: Dom Quixote
Preço: €10



«O último livro de Lídia Jorge é a prova de que os contos ainda vivem na literatura portuguesa. Em cinco breves histórias, a autora mostra que nem só de grandes romances vive a sua escrita, que aqui se molda com detalhes e emoções profundas. Destaque para os contos Praça de Londres - que dá nome à colectânea - e Perfume. O primeiro é de uma ternura sôfrega, tal como são sôfregos os beijos com que o homem grisalho devora a criança pequena, e o segundo é uma perfeita história de amor, contada pela memória de uma infância feita de ausências e desencontros. São histórias quase reais, urbanas e intemporais.»
Lídia Bulcão, in jornal Meia Hora, 07/07/2008

terça-feira, 10 de junho de 2008

Mundo esquizofrénico


@Mário Leal


Linhas cruzadas, traços emaranhados,
pontos escuros e gritos histéricos.
Vidas confusas estas que se perdem,
enlouquecidas na voracidade dos dias.
Lídia Bulcão

terça-feira, 3 de junho de 2008

A ilha que é só minha


@Mário Leal

Hoje, a ilha dentro de mim é um pedaço de pedra negra, pesada e disforme como o basalto, instável e quebradiça como a argila. Hoje, a ilha dentro de mim é um mar de uma imensidão assustadora, sem pontos de amarração ou faróis de apoio. Hoje, a ilha dentro de mim tem um buraco sem fim, onde a escuridão é tremenda e o horizonte não se alcança. Hoje, a ilha dentro de mim é apenas uma pedra, sem vida própria, nem dor alheia. Hoje, a ilha dentro de mim é apenas uma ilha, rodeada de mar por todos os lados e ancorada em poesia. Hoje, a ilha dentro de mim é minha. Só minha.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Alentejo com cheiro de mar

@ Atmosphere Hotels


«No Alentejo tudo é diferente. Até o cheiro do mar. Sim, porque o Alentejo é muito mais do que extensões de terra a perder de vista e olivais sem fim. Longe do interior e das extensas planícies, há um outro lado. Bem mais verde, mais montanhoso e, sobretudo, mais desconhecido. É o lado do mar, onde a costa encontra a terra árida e nela se espraia com contornos muito especiais. Nesse lado, o mundo parece que ainda só está a começar. E que nós podemos fazer toda a diferença.»

Lídia Bulcão, in jornal Meia Hora

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Saudade indomável




Passaram 11 anos desde que ouvi o Torcato Sepúlveda gritar pela primeira vez, nos tempos da refundação do Semanário. Foi uma daquelas explosões vindas do fundo da sua rouquidão e fez parar toda a redacção.
O grito não era mais do que intempestiva indignação, perante uma pergunta de somenos importância. Mas fez-me tremer a mim, então estagiária, dos pés à cabeça. E percebi que para ele até as coisas de somenos importância tinham a força das coisas sérias.

Anos mais tarde, reencontrei-o na redacção d'A Capital e ouvi-o gargalhar com a leveza dos grandes corações. Por entre os prazeres da Grande Lisboa, parecia ter descoberto que a rir também se podia tratar das coisas sérias.

Esta noite, perante a notícia da sua morte, presto-lhe a minha homenagem. Mas não sou capaz de lhe dizer adeus. Porque não há adeus para as pessoas eternas. E o Torcato Sepúlveda era um desses raros seres com a capacidade de tocar na nosssa vida só com uma palavra, fosse ela escrita, falada ou até mesmo gritada.

A fúria da sua Natureza era também a força do seu coração. E não há adeus para pessoas assim. Não há adeus. Mas há saudade. Eterna. Tal como ele será sempre.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Morno poder

Morno poder
Escorrendo pela pele
Colado de perto
Com suor da vida

Sentido alerta
Confuso e distante
Correndo sem meta
Por entre águas vazantes

Destino de nadas

Há um rio que me olha
de frente
Pedaço de água negra
e brilhante
Destino de nadas
e desesperos.

Há um rio que me olha
sem medos
Fundo de imagens
derretidas
Eterno retorno de ilusões
perdidas