terça-feira, 30 de setembro de 2008

A propósito de «Tanta gente a escrever Açores!»

«A pouco e pouco, os escritores açorianos vão-se deixando de nebulosidades narrativas e optam decisivamente por uma escrita que parte do eu para os outros. Não prescindindo da sua condição insulada, estes autores têm vindo a abrir-se ao enigma do mundo, numa escrita que busca espaços do universal. Este é seguramente um caminho a ser trilhado. Para que a açorianidade literária não se deixe ficar ensimesmada nas ilhas.»
Victor Rui Dores, in Tribuna das Ilhas


Não podia concordar mais com a necessidade de abertura da escrita açoriana, de que fala Victor Rui Dores na última edição do Tribuna das Ilhas.

Já em tempos escrevi na imprensa micaelense, mais precisamente no extinto Jornal dos Açores, que era «tempo da nossa literatura sair da bruma e ir ao encontro de outros horizontes». Estávamos então em 2005 e, a propósito do encerramento da editora Salamandra, defendi que «mais do que uma editora que seja um "porto de abrigo", como a Salamandra, o que a literatura açoriana precisa é dum porto de partida para outras paragens».

Hoje, continuo a defender que então escrevi na minha crónica do Jornal dos Açores. «Para que os "escritores açorianos se façam finalmente ao mar", como recomenda o jovem escritor Nuno Costa Santos, é preciso acima de tudo muita coragem para enfrentar as críticas e ultrapassar os desânimos. O mar longe da costa pode ser muito bravo. E só os verdadeiros lobos do mar conseguem ir e vir sem se perder pelo caminho.»

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Um mergulho sem escafandro


Cada vez que folheio imagens do passado, sinto-me viajar para um outro tempo, quiçá outra vida. E lembro-me das palavras de José Eduardo AguaLusa, no seu romance Vendedor de Passados:

«A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em andamento. (…) São coisas que correm diante dos nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram. Talvez as tenhamos sonhado. Já me falha a memória, dizemos, e foi apenas o céu que escureceu.»

Sátira feroz à actual sociedade angolana, este maravilhoso romance é também um mergulho sem escafandro no mundo da memória e dos seus equívocos. Lembra-nos quão fácil é o passado entrar pelo presente adentro, com a força de um oceano revolto, que não mede as forças e provoca estragos. Mas também nos faz perceber quão frágeis são as recordações que constroem a nossa vida e nos preenchem os vazios.

Recomendo uma espreitadela à vida de Félix Ventura, o vendedor de passados falsos. Garanto que a leitura é vertiginosa.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Memórias de amor








Dengosas memórias que se escapam no ar
Fugidas, molhadas, perdidas sem mar

Sufocos contidos e rotas amargas
Letras da vida, saudades pesadas

Verdades perdidas na terra sem cor
Encontros sentidos e memórias de amor


Lídia Bulcão

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Adeus ao último gigante do mar açoriano

Era um homem do Pico, mas sempre se sentiu bem no Faial. Gostava de visitar a cidade que o encantou na juventude e matar saudades das conversas com os amigos de outros tempos. Entrevistei-o há cinco anos, para o Tribuna das Ilhas, e fiquei fã do homem que soube transformar a ilha negra numa obra maior.

Vitor Rui Dores chamou-lhe em tempos "baleeiro da literatura açoriana". E a verdade é que poucos souberam, como ele, trabalhar a solidão e a distância, criando perfeitas Toadas do Mar e da Terra, espalhadas por uma vasta obra literária, que vai do conto à crónica, passando pelo romance e pela poesia.

O homem que nasceu na terra das Pedras Negras e do Mar ao Rubro, a 8 de Abril de 1925, morreu hoje, 24 de Setembro, em Ponta Delgada.

Morreu o último gigante do mar açoriano. Morreu o homem e o escritor, mas não a sua obra, que se quer eterna, como eternas serão as memórias das gentes do mar que ele tão bem retratou.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Triângulo imperfeito
















Turquesa morna, azul profundo, laranja escaldante
Triângulo de uma vida feita de pinceladas
Oceano de cores tranquilas e traços marcantes
Floresta de vazios perdidos e socalcos penetrantes

Lídia Bulcão

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pensamento de Mestre


Vitorino Nemésio não tem quem o iguale na intuição da açorianidade. Nem Raul Brandão tem quem ombreie com a originalidade das suas pinceladas. Talvez por isso seja impossível deixar de pensar neles quando atravesso o Tejo.

Não obstante desaparecidos, parece que os vejo a olhar o rio e os ouço descrever a sensação de cortar as águas. Reparam na luz, que faz o amanhecer brilhar. Reparam na cor, que se transcende e confunde o olhar. Reparam na transparência das águas, ou na imensa falta dela. E reparam sobretudo no cheiro. O cheiro que de um lado é leve e do outro marcante, que de um lado encanta a alma e do outro quase a enterra. O cheiro que, longe de ser suave e delicado, é profundo e quase revoltante.

Parece que consigo vê-los em cima do cais, parados de frente para as águas, fechando os olhos e sorvendo o ar. Consigo perceber que o respiram suavemente, como se de um delicado néctar se tratasse; que o retêm nos pulmões uns segundos, como para apurar a sua estrutura e profundidade; e que depois o expiram, com a velocidade que a idade ainda lhes permite e a repulsa que o corpo não disfarça.

E nem preciso aproximar-se mais para captar a força dos seus pensamentos mais imediatos: “Só um idiota toma este rio por mar!”

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Rotinas e novos mundos


Setembro tem sido mês de regressar, recuperar, redecorar, reorganizar, enfim, de recomeçar. Retomam-se algumas rotinas, mas também se dão novos passos, em direcção a outros futuros, que esperamos sempre melhores.

Para o meu filho, esses passos estão a ser bem maiores. Levam-no à primeira escolinha, ao pátio das brincadeiras e à cadeirinha dos saberes. É bom, é necessário, mas também é duro.

Deixá-lo lá pela manhã custa tanto como se o estivesse a enviar para o outro lado do mundo. E daí que não está longe da verdade. É ali que ele vai de facto partir para o mundo, para o seu mundo. A partir de agora, nada será como dantes.

Verão na ilha





Foi bom poder mergulhar sem sentir os ossos a quebrar. Foi bom poder brincar sem deveres para cumprir. Foi bom poder inspirar sem ter o ar atravessado. Foi bom poder relaxar sem o peso da vida. Foi bom, muito bom. Mas mais uma vez soube a pouco. As férias acabaram e o Verão está a ir embora. Vale-nos a ilha, essa, que vem cada vez mais dentro de nós.