
Estarreci às primeiras linhas do romance
Morder-te o coração,
de
Patrícia Reis. «Tu já não te lembras. Foi há dez anos, neste mesmo quarto, a olhar o Pico, os barcos, o azul-cinza do mar calmo(…)». Ninguém me tinha avisado que o livro falava dos Açores.
Continuei a ler e depressa percebi que a «viagem alucinante pelos labirintos do desejo e da solidão», de que falava a
contracapa, tinha como cais de partida um quarto de hotel com vista sobre o mar, os barcos e, ao fundo, o Pico.
Confesso que me enchi de orgulho (tolo, mas ainda assim orgulho) por o mote deste pequeno livro de bolso, editado em 2007 pela Booket, ser uma história de amor vivida num Verão Perfeito na ilha (embora o Faial nunca seja nomeado, a referência à marina deixa no ar que hotel é faialense).
Mas a verdade é que o orgulho tolo depressa ficou esquecido na voragem das linhas, feita quase de um trago, sorvendo os sabores, os cheiros e sobretudo os sentimentos que o pequeno romance transpira.
José Eduardo Agualusa chamou-lhe um livro “precioso (e raro)”. E eu poderia chamar-lhe muitas outras coisas, quase todas perfeitas. Mas prefiro antes deixar aqui três pequenos excertos, que me morderam o coração, por serem soberbos na musicalidade, na poesia das emoções e na transparência do sentimento ilhéu.
«Tinhas inveja da ilha por ter mar, por ter liberdade, mas contavas histórias
sobre as barcas nos rios e foi contigo que aprendi que quem navega
não sabe conversar porque o rio tece mistérios vedados às palavras.» (Pag. 12)
«A ilha estava congelada no nosso abraço. Nos teus pensamentos era tudo o que fazia sentido.
Eu tinha um prazo. Uma vida à minha espera, um regresso feito de poucas memórias.
Ficarias em terra, náufrago de mim, sem perceber os destroços de nós.» (Pág. 14)
«À mesa, encostado a uma almofada gigante, ele contou da ilha, do colégio de padres,
da caça às baleias, da ideia de partir e ainda da tristeza de se ser de uma terra com fim,
como quem vive num precipício, um fugaz pedaço de chão.» (Pág. 109)