quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Da blogosfera para o papel

Este poema já tinha sido postado aqui, mas agora foi a vez de sair da blogosfera para o papel, tendo sido publicado na última edição do jornal cultural Avenida Marginal. Por esta razão, e porque em final de ano passamos os dias a olhar para esse Tempo dos Homens, volto aqui a deixá-lo, quiçá em jeito de balanço de um ano bastante dorido.


Foto: LBulcão
O TEMPO DOS HOMENS

De frente para o tempo dos Homens
a escarpa é um lugar sentado,
olhando os ponteiros da vida
e os sons desse mar prateado.

Vejo cores de outros seres
e gargalhadas de dias maiores,
memórias que não se escrevem
à espera de sentimentos melhores.

Nas pedras, o rosto dorido.
Na terra, a dor que não sente.
É urgente tirar essa capa
e retocar o estuque por dentro.

Lídia Bulcão

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Legenda com profundidade de poesia

«Aterrar numa ilha no meio de uma tempestade obriga-nos a concentrar no tamanho das coisas. À medida que a distância no chão diminui, as "coisas" ficam na escala confortável. Ou seja, a que nos conforta por ser a distância à qual costumamos estar. Uma ilha lança constantemente esse desafio: ao perto tudo é reconhecível; ao longe, é bom que fique perto; de muito perto, fica a mancha, um pedaço de terra.»

Cristina Peres, "Cabo Verde - Velocidade de Cruzeiro", 
in Courrier Internacional nº178, de Dezembro de 2010

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ai se a Central de Ondas fosse mais perto do Palácio de Sant'Ana...

Foto: http://pt.wavec.org/client/files/Pico_onda.jpg

Numa região com tanto potencial marítimo como os Açores, custa a acreditar que os responsáveis políticos ainda não tenham aberto os olhos para o filão inexplorado que têm  à frente dos olhos. E é difícil aceitar que um projecto inovador como foi o da Central de Ondas do Pico possa acabar assim, abandonado por falta de financiamento. O presidente do Governo Regional passa a vida a gabar-se de que a região tem um "superavit", então porque raio não dispensa uns meros 500 mil euros para recuperar uma estrutura desta importância? Será porque as contas não são bem assim, ou porque a Central de Ondas da ilha do Pico fica muito longe do palácio de Sant'Ana?

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Um "passo notável", até para o DOP

Não é preciso sair da ilhas para fazer um bom trabalho e ser reconhecido internacionalmente por isso. A entrada do Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores como parceiro na Global Ocean Biodiversity Iniciative (GOBI) é a melhor prova disso. Um "passo notável", até mesmo para uma instituição com créditos firmados como o DOP.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Votos de um Natal sentido

Foto: LBulcão

Há dias em que só faz sentido partilhar o calor dos abraços e o sorriso dos corações com aqueles a quem queremos bem. Há dias em que é impossível  não celebrar os bocadinhos de nada que colamos para fazer o todo que nos compõe. Há dias em que só queremos abraçar os pedaços de amizade, carinho, solidariedade e respeito plantados na nossa vida por todos os que fazem dela um terreno especial. Há dias assim, que fazem desta quadra natalícia um momento único, aonde não podemos deixar de voltar sempre,  mesmo que não tenhamos a certeza de encontrar tudo aquilo de que precisamos. E porque esta semana é feita de dias como esses,  deixo aqui os meus votos de Boas Festas para todos os que por cá forem passando. 
 
Que tenham um Santo Natal, pleno de paz, amor e alegria!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Encharcada até aos ossos, mas com a alma aquecida


Não há nada como regressar à ilha, ainda que encharcada até aos ossos com a humidade e o temporal que  crescem lá fora. Mesmo às portas do Natal, a Natureza ainda é quem mais ordena por aqui. Mas por mais que o vento nos embale, a chuva nos atormente e as brumas nos toldem o alcance dos olhos, há sempre como reencontrar o calor certo para derreter o gelo que ameaça o coração. No mar onde me encontro, o horizonte pode não se ver, mas a alma, essa, navega bem aquecida.


Foto retirada de: http://www.tribunadasilhas.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1566:proteccao-civil-chuva-forte-no-grupo-central&catid=1:local&Itemid=2

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Calendário de emoções

Foto: Paulo Gabriel Photography














Vejo nas manhãs um lugar de sossego
onde a vida quase congelou,
à espera do momento certo 
de poder dizer que despertou.
Vejo nas tardes um mar revolto
perdido na sua agitação,
rodeado de ondas soltas,
sem qualquer rumo ou direcção.
Vejo nas noites a carta da alma
estendida em confidências ousadas,
desassossego de vidas
que carregam penas pesadas.
Vejo nos dias pedaços do tempo
que se escoam na sequência correcta,
como se a vida fosse um calendário
em que as emoções têm hora certa.

Lídia Bulcão

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Com a bruma na varanda

Foto: LBulcão
Sei que estou bem longe das ilhas, mas juro que tenho a bruma a entrar pela minha varanda adentro...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Vestida com o pôr-do-sol

Foto: LBulcão
O final do ano aproxima-se a passos largos e começamos todos a pensar no balanço do que somos e nos rumos do que queremos ser. Neste blogue, a época de arrumações também começa a dar os primeiros passos e nada como lavar a cara para podermos ver o mundo com os olhos límpidos. "A ilha dentro de mim"  está renovada e apresenta-se agora vestida com o pôr-do-sol. Porque a luz do entardecer dá-nos sempre outra perspectiva sobre o horizonte de todos os dias.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O País não esquecerá. E os açorianos também não!

A polémica proposta de Carlos César só tem servido para denegrir a imagem da autonomia regional perante o resto do País. Desde o escândalo da reportagem dos Golfinhos em 1993, que não me lembro de ver os Açores e o povo açoriano a serem tão enxovalhados publicamente em todo o País. Quase na hora da despedida, o presidente do Governo Regional dos Açores está a conseguir deitar no caixote do lixo o respeito e o mérito que a luta autonómica tanto se esforçou por conquistar nas últimas três décadas. E isto já para não falar no crédito político que o próprio Carlos César ainda detinha no partido e no País. Se a ideia era garantir a subserviência de mais 3700 funcionários regionais, o objectivo poderá até ser cumprido. Mas se era para fazer frente a Sócrates e mostrar ao País como se Governa uma região, então o líder do Governo açoriano excedeu-se largamente. Depois disto, Carlos César não mais poderá voar da região para a presidência do partido e muito menos aspirar chegar um dia à Presidência da República. O País não esquecerá. E os açorianos que foram tão duramente enxovalhados  na praça pública também não.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Os insólitos da Saúde nos Açores

Esta história da jovem bipolar que foi transferida de Ponta Delgada para tratamento no Hospital da Horta é inenarrável. Pelo insólito da situação e porque é sintomática do estado de degradação a que chegou a Saúde na Região Autónoma dos Açores. O passivo do sector ronda os 600 milhões de euros (equivale a quase metade do passivo do Ministério da Saúde no continente português) e os dois maiores hospitais da região estão falidos. Mas parece que ainda há dinheiro para pagar 16 ordenados de altos dirigentes em duas Unidades de Saúde que não têm mais do que cinco médicos no total. E enquanto o Secretário Regional da Saúde está ocupado a afundar o que sobra do sector, cerca de 80 mil açorianos continuam sem médico de família e muitos outros ainda estão em lista de espera para uma consulta ou cirurgia. No meio de toda esta confusão, só não deixa de ser algo irónico ouvir o espanto com que alguns micaelenses reagem ao facto de terem de ser transferidos para tratamento noutra ilha, uma realidade que infelizmente qualquer habitante das ilhas "menores" já foi obrigado a  encarar como "perfeitamente" normal. Tão normal quanto o descalabro das contas públicas socialistas.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A clarividência de um arqueológo de palavras

Porque é preciso meter mãos à obra e construir tudo aquilo que ainda está por fazer nestas ilhas, deixo aqui as palavras deste arqueólogo da poesia que é Heitor H. Silva. A clarividência do poeta faialense iá indicava o caminho a seguir, sem que fossem preciso gastar milhares de euros em estudos que dizem ou consultadorias que desdizem.


«Construamos barcos para as madrugadas
insulares. Tábua a tábua, porões,
convés, mastreações, velames,
vento nas enxárceas...
Construamo-los nós mesmos: velas brancas,
lemes, mastros, cascos que se afundem
nos horizontes repetidos.
Vertiginosamente aquáticas estas mãos
que adormeceram tempo de mais
no emaranhado dos sargaços
saberão, certamente, como redimir-se.

Desçamos às profundidades oceânicas
galvanizados por essa voz extrema,
que nos toca tão de perto,
e sintamos em cada tábua que um carpinteiro
alcança a outro carpinteiro
antevisões de serras, puas, prumos,
viagens puras,
cartografia perfeita
inscrita no dorso azul e fusiforme
dos cardumes.
Inéditas seriam estas paisagens submersas
                 se o coração as não soubesse.

Construamos barcos, ilhas/barcos
derivando.»

Heitor H. Silva, in "Arqueologia da Palavra" (Horta, 1991)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A economia local agradece, e os amantes de cracas também!

Foto: José Borges
A produção de cracas em regime de aquacultura está a um passo de entrar no mercado açoriano. Depois dos estudos e do ensaio-piloto, o projecto do Departamento de Oceanografia e Pescas  (DOP) chegou à fase de produção comercial, prevendo-se que em 2011 já exista uma ou até duas estruturas de dimensão comercial em pleno funcionamento. Este projecto, coordenado pelo cientista Eduardo Isidro, parece ter boas pernas para andar e assim contribuir para o desenvolvimento da economia da região, em particular das ilhas Faial e Pico. É, sem dúvida, um bom exemplo da ponte que se pode e deve fazer entre a excelência da academia e a vida real, pondo o investimento feito na ciência ao serviço da população.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

R.I.P Mário Machado Frayão

Morreu ontem o poeta faialense Mário Machado Frayão. Apartado da ilha há largos anos, foi incapaz de a esquecer, vertendo para a escrita as memórias que lhe apertavam o coração. Hoje, estão espalhadas em várias antologias de poesia açoriana e livros como "Enquanto o Mar se Renova", "Poemas do Mar Atlântico" , "Os Barcos Levam Nomes de Mulheres" e "Cartas de Marear". Foi-se o homem, ficam as suas palavras.


ELA TINHA OS OLHOS VERDES

«Ela tinha os olhos verdes
da cor das águas do Porto Pim
O anel
podia ser de Margarida
Clark Dulmo
Ainda vai chegar muita gente à Semana do mar
Sossegam as traineiras sobre um mar de luzes
e por cima das traineiras
sobre a nossa noite grasnavam garajaus
Descem
por uma escada em caracol
outras mulheres
que o sol e o mar nos entregam
cada dia mais formosas
Depois da Festa
(o melhor, além das moças,
bem moças e bem gentis,
mulheres de fala cantante,
foi quando as velas se ergueram nas canoas baleeiras
lembrando as asas de um pássaro)
depois da Festa
vou caminhar sobre a lava arrefecida
na costa da ilha negra
ilha da grande montanha.»


Mário Machado Frayão 
(1952-2010)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Isto é absolutamente escandaloso!

Se nos dias de hoje a governação do País já está dependente dos mercados internacionais, imaginem o que vai acontecer a partir de agora, que os partidos políticos vão passar a poder investir na bolsa. E eu que pensava que o inside trading era crime... Esta notícia é absolutamente escandalosa. E muito preocupante.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Cadeia de Santa Engrácia

Perante esta notícia, começo a pensar que só quando houver uma revolta das grandes na sobrelotada Cadeia de Ponta Delgada é que as obras vão arrancar de vez. Está visto que gastar dinheiro com prisioneiros não dá votos!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estaremos condenados ao domínio das águas vivas?

Águas vivas nos mares do Pico (Foto: Paulo Pinheiro)
O aquecimento das águas dos mares e o desaparecimento de algumas espécies de peixe, vítimas da pesca intensiva, são a explicação para o aumento da frequência de águas vivas nos mares da região Nordeste Atlântico, segundo um estudo de investigadores ingleses e irlandeses divulgado hoje pelo DN. O  estudo é pertinente e deixa pistas importantes também para o futuro dos mares açorianos. Será esta também a explicação para o aparecimento de cada vez mais águas vivas nos nossos mares, que tantos transtornos causaram aos vereaneantes de todas as ilhas ainda este Verão? Estaremos condenados a ver as nossas águas ser dominadas por estas espécies gelatinosas? Ou haverá forma de repor o equilíbrio dos ecossistemas marinhos?

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Parabéns ao Mente Livre!

Parabéns ao conterrâneo Mente Livre pelo seu primeiro aniversário (celebrado ontem). Numa era em que muitos se calam para não serem prejudicados e outros se tapam com o anonimato para vocifrar contra quem discordam, é bom entrar num espaço onde as ideias têm voz própria. Mais uma prova de que ter uma ideologia política não é, nem tem de ser, sinónimo de colocar um espartilho no pensamento. Levantar questões e reflectir sobre elas é a melhor forma de percorrer o caminho para o futuro e de manter a sanidade nesta sociedade cada vez mais espartilhada. Que venham mais assim!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Última curta de Manoel de Oliveira no Faial Filmes Fest


Apesar das dificuldades financeiras com que se vem debatendo o Cineclube da Horta, a organização do Faial Film Fest não baixou o padrão de qualidade a que já nos tem vindo a habituar. Manoel de Oliveira vai ser o homenageado da edição deste ano, que arranca dia 31 de Outubro e terá na apresentação do seu último trabalho um dos grandes momentos do certame. Além da curta-metragem de Oliveira, intitulada Painéis de S. Vicente de Fora - Visão Poética, a selecção oficial do Festival conta com 58 filmes, escolhidos de entre um número recorde de participações, que este ano foram alargadas aos países lusófonos. Para ver no Teatro Faialense, até 7 de Novembro.

Uma recomendação para o próximo fim-de-semana

Depois da anunciada ruptura nas negociações entre o Governo e o PSD para o Orçamento de Estado, não há nada que enganar: no próximo fim-de-semana guardem bem as vossas abóboras e vamos mas é todos pedir pão-por-Deus!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Não há botox que disfarce este Cantagalo!

Hotel do Cantagalo (Foto: LBulcão)

«Depois de me ter espraiado pelos mares do canal Faial-Pico, onde fui nascida e criada, encerrei as minhas férias na Terceira, uma ilha que aos poucos se tem vindo a tornar também minha, por força de laços familiares que aqui me vão trazendo cada vez mais frequentemente. Só neste último ano passei por cá várias vezes e não posso negar que em todas elas me senti em casa, mesmo quando a bruma insistia em esconder o horizonte, negando-me o prazer de saborear a proximidade dos meus vizinhos de infância, São Jorge e Pico.

Seja como for, de viagem para viagem, fui-me deixando apaixonar por esta terra de bravos costumes e farras imensas, onde a folia parece ter a energia do magma e a paz a delicadeza de um néctar inebriante. De mansinho, muito de mansinho, também esta ilha tem vindo a entranhar-se dentro de mim, mostrando-me o que os olhos não alcançam e oferecendo muito mais do que eu esperava. No mapa desta estranha geografia, reencontrei rostos da minha infância e recuperei amizades que julgara soterradas nas ruínas do tempo. E, como se isso não fosse suficiente, ainda me deixei encantar pelos prazeres terceirenses, que me vão arrebatando de forma diferente a cada viagem.

Podia continuar, parágrafo atrás de parágrafo, a descrever os dias que tenho vivido por aqui, perdida por entre a intensidade da maresia e achada perante o peso secular da história que se respira nas fachadas coloridas. Deambular pelas ruas de Angra já se tornou um dos meus passeios preferidos nas noites mais serenas, mas a verdade é que não há bela sem senão. E o que podia ser uma rota perfeita pelo património cuidadosamente recuperado e preservado, ameaça tornar-se uma viagem a duas velocidades, que mistura um passado glorioso com um futuro monstruoso.

Talvez a palavra escolhida seja pesada, mas não consigo encontrar melhor forma de descrever o atentado urbanístico que vai crescendo na sala de visitas desta cidade-património, como se fosse uma planta invasora que ameaça tirar a vida às preciosidades endémicas. Refiro-me, obviamente, à mega-construção que está a desfigurar a face marítima de Angra do Heroísmo - o Hotel do Cantagalo.

Há muito que se adivinhava monstruosa esta frente de betão que se vai erguendo na cidade, pronta para reescrever a História de forma leviana. Mas confesso que a paragem prolongada das obras nos últimos meses me tinha feito acalentar a secreta esperança de que o bom senso dos nossos decisores vencesse a batalha.

Queria acreditar que a coragem e o orgulho do poder terceirense falariam mais alto do que quaisquer outros interesses menos óbvios. No fundo, guardava a secreta esperança de que os responsáveis políticos tivessem bom senso e acabassem por travar o crescimento de tamanho "mamarracho" (que me perdoe o responsável pelo projecto, mas é efectivamente de um "mamarracho" que falamos).

Antes de mais, quero esclarecer que não tenho, nem nunca tive, qualquer preconceito contra a arquitectura moderna, muito pelo contrário. Nos jornais e revistas nacionais por onde tenho passado já escrevi e editei muitos textos rasgados de elogios a magníficas obras de arquitectura contemporânea. E, da mesma forma que sou capaz de avaliar devidamente as linhas de um edifício moderno ou futurista, também sei apreciar o nosso património e o seu enquadramento paisagístico, sobretudo quando falamos de uma cidade que é Património Mundial da UNESCO, um galardão que muito honra os Açores e o resto do País.

Contudo, ao ver que as obras recomeçaram no Hotel do Cantagalo, o que restava das minhas ilusões caiu por terra. Percebi que não há limites para a inconsciência humana. E que aquilo que os nossos antepassados demoraram séculos a construir não tem valor para quem hoje vai gerindo a cidade, de costas voltadas para o futuro, sem réstia de pudor ou qualquer consciência de estar a destruir um legado de valor incalculável.

Se a construção da marina de Angra conseguiu trazer muita graça às faces rosadas da cidade-património, já este hotel, pelo contrário, só serve para lhe evidenciar os seus pecados mortais, cavando-lhe rugas eternas. E não há botox que disfarce este Cantagalo!»

Lídia Bulcão, in Diário Insular, 23/10/2010

sábado, 23 de outubro de 2010

Uma noite que valeu a pena!


O Experimentar Na M'Incomoda (LBulcão)

 «Quando o faialense Pedro Lucas foi chamado ao palco do Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), no último domingo, para receber uma Menção Honrosa pelo projecto “O Experimentar Na M’Incomoda”, o seu rosto espelhava o que a maioria dos ilhéus presentes na entrega dos Prémios Megafone/João Aguardela haveria de sentir quando o espectáculo terminou: a sensação de que a noite soube a pouco.

Por mais que saibamos que o pouco por vezes é muito (e neste caso foi mesmo IMENSO), ainda assim não é fácil esconder o bocadinho de desilusão que nos fica na alma, tão intensamente exposta depois de ver e ouvir as nossas raízes açorianas celebradas numa das mais importantes salas de espectáculos do País.

O Pequeno Auditório do CCB, em Lisboa, estava pejado de “habitués” da música profundamente portuguesa, desde Mafalda Veiga a Luís Varatojo, passando por muitos outros nomes menos mediáticos e igualmente importantes. Mas o ar que se foi aspirando ao longo do espectáculo era bem mais do que apenas português: era também ilhéu, intensamente ilhéu.

Embora o primeiro nomeado da noite fosse um quarteto transmontano de som mirandês, os Galandum Galundaina, os outros dois nomeados para a primeira edição deste prémio eram projectos açorianos, nascidos e criados a partir do Faial.

Bandarra (LBulcão)
Dos três, os Bandarra, escolhidos pela sua “invulgar capacidade de misturar instrumentos tradicionais” e “sons de festa” com “letras profundas”, eram talvez os mais conhecidos entre nós e até os que arrecadaram mais palmas do público presente no CCB.

Contudo, foi O Experimentar Na M’Incomoda, de Pedro Lucas, que mais surpreendeu, conseguindo arrecadar uma Menção Honrosa ao mostrar-se herdeiro do verdadeiro espírito Megafone, o projecto mais alternativo do músico João Aguardela, que a maioria conheceu como líder dos Sitiados ou pela participação no projecto A NAIFA.

Nomeado pela sua “surpreendente criatividade” na reinvenção da tradição oral, o faialense Pedro Lucas conseguiu impressionar o júri ao vestir com sons electrónicos e contemporâneos músicas açorianas como “As Ilhas de Bruma” ou “Rema” e vozes como as de Zeca Medeiros ou Carlos Medeiros.

Já o Prémio principal foi para os Galandum Galundaina, com quem João Aguardela tinha uma especial afinidade – havia-lhes prometido participar no seu último disco, uma promessa que a morte não o deixou cumprir e que a atribuição deste Prémio vem de certa forma corrigir. 
Os nomeados para o Prémio Megafone Música (LBulcão)
Para muitos açorianos, provavelmente nem interessava quem ganhava o Prémio - desde que fosse um dos projectos ilhéus, e de preferência os dois. O nosso bairrismo é assim, e nisso não somos diferentes do resto do País. O que é nosso toca-nos sempre mais, mesmo que não seja verdadeiramente melhor.

Não vou aqui fazer nenhum parêntesis para debater a questão que muitos gostariam de ver respondida. A tal dúvida eterna do “será que não eram?”. Não precisamos entrar por aí, até porque esse era o papel do júri. Na verdade, nem interessa se eram ou não eram, ou se podiam ter sido.

Depois da noite de domingo, o que interessa é que dois projectos com raízes faialenses foram escolhidos de entre dezenas de outros candidatos de todo o País e ficaram entre os três melhores, com direito a edição e divulgação do seu próximo álbum em todas as plataformas FNAC. O que interessa é que tanto o Pedro Lucas como os Bandarra conseguiram pegar naquilo que é nosso e criar algo de novo. O que interessa é que não precisaram ignorar as tradições antigas, nem as raízes açorianas, para conseguir brilhar num mundo difícil e cada vez mais exigente como é o da música portuguesa. O que interessa é, sobretudo, ver que o mar que nos rodeia não é uma fronteira intransponível e que o talento ilhéu não pode, nem deve, ficar preso na ilha. E, só por isso, a noite de domingo valeu mesmo a pena.»

Lídia Bulcão, in Tribuna das Ilhas, 23/10/2010

Jazz do melhor, para um punhado de privilegiados

 (Foto: LBulcão)

Uma orquestra a sério, com excelentes músicos e um maestro de alto nível, a que acresceu um repertório perfeito para verdadeiros apreciadores de jazz. Foi, sem dúvida, um belíssimo espectáculo  aquele com que nos brindou a Orquestra Angra Jazz sábado à noite, no Hotel Marriot, em Lisboa. Falhou apenas a afluência de público, fruto de uma fraca divulgação desta iniciativa, promovida pela CulturAngra e pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, no âmbito da semana da cultura angrense que teve lugar naquele hotel lisboeta. Mais uma prova do amadorismo  com que algumas autarquias açorianas continuam a encarar a promoção do turismo fora de portas.  Lisboa é uma cidade onde ocorrem centenas de eventos num sábado à noite e é preciso muito mais do que só fazer para de facto acontecer. Por melhor que tenha sido o espectáculo  - e foi  MUITO BOM - , duvido que as pouco mais de três dezenas de pessoas  que estavam na assistência (quase todas açorianas) consigam compensar o investimento feito no evento.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A ousadia de um criativo nascido na ilha

Homem de múltiplos talentos e grande visão, Rui Vieira é um criativo açoriano que dá cartas na publicidade nacional e internacional. Nascido e criado no Faial, é um ilhéu que soube partir à descoberta de outros horizontes e conquistar o seu próprio mundo, sem esquecer as suas raízes faialenses. Depois de seis meses a acumular a direcção criativa da Fullsix Portugal com a da Fullsix Nova Iorque - onde foi chamado para reestruturar a agência e angariar novos clientes - o Rui optou por regressar de corpo e alma a Portugal: «Não vale a pena irmos todos embora, como está a acontecer». Ficar, contudo, não significa estagnar, e prova disso é a estreia na realização de uma curta-metragem, a sua mais recente aventura no mundo publicitário, onde já acumula vários prémios nacionais e internacionais. Mais do que uma estreia ou de um filme publicitário, «Algo de bom» é uma curta-metragem recheada de pormenores, que vale a pena saborear com a delicadeza das coisas boas. Digna de um verdadeiro contador de histórias.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Governo dos Açores no topo dos esbanjadores

Em ano de crise, os Organismos do Estado gastam dinheiro em festas e consultores. Esta notícia da TSF explica muito do País que somos hoje. E o melhor exemplo vem directamente dos Açores, com o Governo Regional a pagar a festa mais cara do País, pela módica quantia de 1,5 milhões de euros. A continuar assim, nem os cortes nos salários dos funcionários públicos vão chegar para tapar os buracos. Haja vergonha senhores!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Verdadeiramente Nobel!

"Só um idiota pode ser verdadeiramente feliz."

Mário Vargas Llosa,
Prémio Nobel da Literatura 2010



Crédito da foto: EFE

Na ressaca do centenário



Depois da festa, vem a ressaca. Continua por terminar a Casa Manuel de Arriaga, cujo projecto foi concebido para comemorar dignamente o centenário da República nos Açores, e em particular no Faial, terra do nosso primeiro presidente. Se o Governo Regional tivesse cumprido com as suas promessas e obrigações, a inauguração devia ter sido por estes dias, com a pompa e circunstância que a recuperação das ruínas da família Arriaga merece. Depois de sucessivos adiamentos, a obra agora está finalmente a andar. Só esperemos que não seja preciso outro centenário para que seja finalmente concluída. Com sorte, bastar-nos-á esperar pelas próximas eleições regionais...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Uma República eternamente adiada?

Cem anos de República. Cem anos de tragédias, mortes, ditaduras, revoluções, crises e desvarios, mas também cem anos de mudanças profundas, evoluções naturais e progresso q.b. De certa forma, podemos falar da redescoberta de um lugar português no mundo. Mas quando todos esperavam que estes cem anos de República Portuguesa fossem celebrados com verdadeira grandeza e circunstância, Sócrates revelou um País novamente à beira de afundar, deixando o fantasma da incerteza a pairar sobre todas as aparentes conquistas. Na hora do balanço centenário, fica a inevitável pergunta: estará Portugal condenado a ser uma República eternamente adiada?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Crónica de um voo livre


Foto: Claúdia Garcia


Ouvi a chuva a quebrar-se
e arrepiei-me com a sua leveza.
Olhei a espuma do mar
e senti a doçura da maresia revolta.
Aspirei o vento que corta
e deixei a pele revigorar-se.
Por fim, debrucei-me sobre o céu
e no breve azul voei livre,
como as ganhoas que rumam a sul
em busca de um tempo mais perfeito.

Lídia Bulcão

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O País já não está de tanga. Está nu!

Imgem retirada do blogue Activismo de Sofá

De nada serviu tapar os olhos com a peneira, porque a realidade acaba sempre por mostrar aquilo que muitos insistem em não querer ver. O País já não está de tanga. Está nu. Completamente nu. Despido de tangas e outros fios dentais, criados por um Governo que só pensou no estilo e na sedução dos portugueses. Agora, sem ter qualquer trapo para se cobrir, o País vai ter de correr mundos e fundos para se manter aquecido durante o Inverno que aí vem. Um Inverno longo e penoso, como poucos acreditaram ser possível. E não se iludam os açorianos, porque a região também vai pagar a sua parte da factura para não enregelar os ossos. Quando a coisa aperta, é como escreve director do Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro: «Nestas alturas, somos sempre todos iguais. Eles contam connosco. E nós não contamos com mais ninguém

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Assim, não há maravilha de Portugal que faça milagres!



Como é que é possível que nos dias de hoje ainda haja quem despeje mais de 300 quilos de pasta de queijo numa ribeira? Um volume desta Natureza não é apenas inconsciência ambiental, é criminoso mesmo... Assim, não há maravilha de Portugal que faça milagres!


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A força de um Vulcão à porta de casa


Lídia Bulcão, in jornal Meia-Hora, de 27/09/2007

A propósito da passagem dos 53 anos sobre a primeira erupção do Vulcão dos Capelinhos, deixo aqui o recorte de uma crónica publicada há três anos no extinto jornal Meia-Hora. À excepção do número de anos, as minhas palavras continuam hoje tão actuais como então. (Para ver o texto maior, basta clicar na imagem.)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Lugares assim

Foto: LBulcão

Há lugares nessa imensa geografia que nos fazem sentir como pequenos grãos de areia, perdidos na engrenagem da vida. Há lugares nas profundezas da terra que nos mostram a força que nem sonhamos ter e a energia que nos faz renascer. Há lugares dentro desse mar profundo cuja doçura nem imaginamos existir. Há lugares nascidos da pedra que são mais quentes que a corrente de lava. Há lugares feitos de carne e osso que são mais secretos que os desejos reprimidos. Há lugares que nunca pensámos desbravar, até descobrirmos que não conseguimos viver sem os percorrer. Há lugares assim no imaginário dos dias, que de repente nos fazem retornar das cinzas.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A fusão dos sentidos com os prazeres das ilhas

Angra do Heroísmo (Foto: LBulcão)

Para encerrar as férias em grande, nada como a fusão dos sentidos com os prazeres que só as ilhas têm para oferecer. A delicadeza de umas cracas fresquinhas a desfazerem-se na boca e a intensidade de umas lapas grelhadas a prender-nos o paladar. O cheiro da maresia que nos entra pelo nariz dentro e o calor da areia que nos emprenha os sentidos. O vento a despentear-nos pelas encostas mais altas e o silêncio da terra que vem das profundezas. A cor das fachadas e das varandas floridas, que vão serpenteando a cidade e as suas calçadas. A magnitude da noite e das conversas perdidas por entre ruelas singelas e esplanadas sentidas. O sorriso das gentes que fazem da estrada o seu trilho pedestre, carregando na alma votos eternos e desejos secretos. A energia da música que nos preenche a alma e o valor das amizades que não se perderam nas ruínas do tempo. Foi assim o meu último fim-de-semana de férias nos Açores. Quase perfeito!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Bossa Nossa!!!


Foto: LBulcão

Depois de muitas tentativas frustradas, consegui finalmente passar pela ilha Terceira em dia de concerto do Bossa Quartet (agora Bossa Quinteto), um grupo terceirense que está a virar uma instituição, com fãs em crescendo e fama merecida. A imagem não está perfeita, mas dá para terem uma ideia do excelente ambiente que se viveu sábado à noite na esplanada do Café Central, em Angra do Heroísmo. As cadeiras não chegaram para todos os que aparecerem e a escadaria da igreja virou um animado anfiteatro. Com Claudiana Cau na voz, Duarte Dores na Guitarra e voz, Paulo Cunha no baixo, Rui Melo no saxofone e Dudu Costa na percursão, este Quinteto é uma aventura açoriana pelos ritmos brasileiros da Bossa Nova, MPB e Samba. Cinco nomes que são, sem dúvida, sinónimo de uma noite muito bem passada. Por mim, repetia já amanhã...

Quando todos os caminhos da Terceira vão dar à Serreta


Fotos: LBulcão


Não conhecia a tradição terceirense de fazer romaria a pé até ao santuário da Serreta por ocasião da festa de Nossa Senhora dos Milagres, mas confesso que fiquei impressionada com o que vi no último fim-de-semana. Só no sábado à tarde, e no espaço de três horas, contei mais de 700 caminhantes entre Angra do Heroísmo e a Serreta, um percurso que ronda os 20 km e que a maioria faz em cerca de 7 horas de caminhada. Ao todo, terão sido certamente mais alguns milhares, a ver pela afluência das ruas, que começou na quinta-feira e se prolongou pelo domingo dentro. Vinham de todos os cantos da ilha e não se pode dizer que fossem romeiros típicos. Uns iam de chinelos, outros de ténis, alguns mesmo descalços, mas havia-os de todos os géneros: velhos e novos, crianças e jovens, pagadores de promessas e escuteiros, casais e grupos, desportistas e solitários. A maioria trazia mochilas às costas ou garrafas de águas nas mãos, mas também se viam velas de vários tamanhos e feitios e outros que não traziam nada mas paravam em todas as tascas ou roulottes que apareciam pelo caminho. O passo dependia do ritmo e do cansaço, mas todos mostravam uma vontade inabalável de chegar à Serreta. E fossem quais fossem os seus motivos, a verdade é que provaram que só lá vai quem quer. E quem quer pode.

sábado, 11 de setembro de 2010

Enfrentar as vergonhas e resgatar as glórias

Caminhando pela avenida numa destas noites maravilhosas que o final de Verão ainda nos vai proporcionando, dei por mim a relembrar as palavras de um turista amigo: «Isto é, ou não é, uma cidade portuária?» A pergunta trazia água no bico. «É que não vejo "casas de meninas" em lado nenhum!», dizia ele, com um sorriso maroto, argumentando que qualquer cidade portuária que se preze tem, ou teve, a sua casa de "meninas".


Goste-se ou não, a verdade é que ele tinha a sua razão. E se hoje não se conhece qualquer casa desse género na cidade, a verdade é que em tempos idos a Horta terá tido as suas “meninas” circulando pelos bares da noite ou escondidas no velho “Barco do Amor”, entre outros locais menos próprios para a moral e os bons costumes de qualquer terra que se preze.


Hoje, olhando para as fachadas da nossa cidade, não há nada que nos faça ecoar esse tempo em que os marinheiros escalados na cidade frequentavam ruas ou casas consideradas menos próprias. Contudo, isto não significa que não existiram, mas apenas que se há coisa que a Horta soube bem esconder foi esse lado menos glamoroso de uma cidade portuária.


Até aqui, menos mal. O problema é que os mesmos que deixaram cair no esquecimento o lado menos próprio de uma cidade portuária, estão também a deixar desaparecer o outro lado desse passado, bem mais rico e merecedor do olhar atento de todos quantos nos visitam, mas cada vez mais enterrado no esquecimento dos anos e das vozes que vão desaparecendo de entre os vivos.


Se ainda houver dúvidas, falo das histórias e dos feitos de uma cidade que foi grande muitas vezes e quase sempre graças ao mar, desde o tempo das caravelas aos navios baleeiros, passando pelos cabos submarinos e pelos hidroaviões, sem esquecer os muitos exércitos que nela descansaram as suas frotas marítimas ou até mesmo os milhares de iates que a escalam ano após ano. Falo do passado de uma cidade que soube usar o mar para ultrapassar as suas fronteiras e as dos outros, mas não está a saber cuidar do seu património marítimo-cultural para nele edificar um futuro de raízes sólidas.


Ainda há pouco tempo o arqueólogo José Bettencourt, do Centro de História de Além Mar da Universidade Nova de Lisboa, dizia nas páginas do “Tribuna das Ilhas” que os vestígios arqueológicos da baía da Horta “são únicos a nível nacional”, referindo-se a um achado recente que se calcula remontar ao naufrágio de um navio inglês no início do século XVIII. E, a propósito, o arqueólogo lembrava o óbvio: que a cidade da Horta precisa, e urgentemente, de um discurso museográfico ligado ao mar.


«À excepção da fábrica da Baleia, não conheço na Horta nenhuma instituição museográfica ou com exposições sobre o passado marítimo da cidade, e acho que é uma falha em termos de produto, quer para consumo interno, quer para vender para o exterior», afirmava então o arqueólogo. E as suas palavras fazem tanto sentido que não podem ser ignoradas, sobretudo por quem tem o dever de preservar e divulgar a cultura que é de todos nós.


Não quero aqui discutir questões políticas, técnicas, orçamentais, ou outras que tais em torno da criação de um futuro museu (ou museus) ligado ao passado marítimo da cidade da Horta, mas apenas deixar mais um alerta para que a oportunidade não volte a ser desperdiçada.


O caminho para o futuro pode e deve ser feito a partir do passado, mas antes é preciso reconhecer a sua importância e mostrar disposição para o preservar. Quando estes dois factores finalmente se conjugarem, tudo o resto será uma questão de pormenor.


À semelhança do que acontece com o património geológico e ambiental do Faial, também o seu património marítimo está recheado de feitos dignos de registo e edifícios com história, que merecem a devida preservação e divulgação, contribuindo inclusive para contextualizar a existência de uma cidade que pelo mar se tornou “a maior cidade pequena do mundo”, como em tempos lhe chamou o poeta Pedro da Silveira.


E se pelo caminho tivermos também de enfrentar algumas vergonhas e revelar aos nossos filhos onde ficavam as casas de “meninas” desta mítica cidade portuária, será certamente um baixo preço a pagar pela certeza de que os nossos verdadeiros feitos vão ficar de herança às gerações futuras e a todos os visitantes que um dia ousem desembarcar na Horta.


Lídia Bulcão, in Tribuna das Ilhas, 10/09/2010