Vitorino Nemésio não tem quem o iguale na intuição da açorianidade. Nem Raul Brandão tem quem ombreie com a originalidade das suas pinceladas. Talvez por isso seja impossível deixar de pensar neles quando atravesso o Tejo.
Não obstante desaparecidos, parece que os vejo a olhar o rio e os ouço descrever a sensação de cortar as águas. Reparam na luz, que faz o amanhecer brilhar. Reparam na cor, que se transcende e confunde o olhar. Reparam na transparência das águas, ou na imensa falta dela. E reparam sobretudo no cheiro. O cheiro que de um lado é leve e do outro marcante, que de um lado encanta a alma e do outro quase a enterra. O cheiro que, longe de ser suave e delicado, é profundo e quase revoltante.
Parece que consigo vê-los em cima do cais, parados de frente para as águas, fechando os olhos e sorvendo o ar. Consigo perceber que o respiram suavemente, como se de um delicado néctar se tratasse; que o retêm nos pulmões uns segundos, como para apurar a sua estrutura e profundidade; e que depois o expiram, com a velocidade que a idade ainda lhes permite e a repulsa que o corpo não disfarça.
E nem preciso aproximar-se mais para captar a força dos seus pensamentos mais imediatos: “Só um idiota toma este rio por mar!”
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