Vista da vigia do Forte da Espalamaca (Foto: Lídia Bulcão)
Porque o tempo, por vezes, parece não ter passado e os assuntos de ontem ganham hoje uma estranha actualidade, deixo aqui uma crónica que escrevi para o semanário Tribuna das Ilhas. Foi publicada já lá vão seis anos, mas pode ser lida como se tivesse saído hoje.
«Quanto mais tempo passo nesta terra, mais me convenço de que há lugares maravilhosos ao nosso lado, cuja existência mal conhecemos. Porque estão longe dos olhos, porque o caminho não é acessível, ou simplesmente porque o acesso é proibido ao comum mortal.
O Forte da Guia e o Forte da Espalamaca, que visitei pela primeira vez esta semana, são dois desses lugares que a vista não alcança e que encerram verdadeiros tesouros. Não daqueles que valem muito ouro, mas sim dos outros. Daqueles que nenhum dinheiro pode pagar.
Neste caso concreto, encerram os dois melhores miradouros que a cidade da Horta poderia alguma vez ter. Ou não fossem os melhores postos que o exército encontrou para proteger a baía que ancorava as frotas dos aliados durante a II Guerra Mundial.
Quem sobe ao miradouro do Monte da Guia, está longe de imaginar o outro lado. Depois de ver a Ermida, olhar as caldeirinhas e a vista sobre Porto Pim, imagina-se um pouco mais da cidade e nada mais. No entanto, do outro lado do monte, que é ainda mais alto, a panorâmica de sempre ganha outra vida.
À medida que o caminho se vai percorrendo, a Horta vai-se descobrindo e com ela a baía em todo o seu esplendor. Depois do olhar sobre a cidade, vem a visão das caldeirinhas com as águas quase turquesa por baixo, a Ermida da Guia no cimo e as pastagens verdes da ilha por detrás.
Na outra ponta da cidade, no Forte da Espalamaca, o tesouro é outro e com um valor muito mais histórico. Por baixo das pastagens que todos vemos, estão vários túneis, com centenas de metros e muitos labirintos, assustadores só para quem não conhecer os cantos à casa, como o sargento Fontes, que guiou a comitiva e apresentou os recantos. Na saída de um dos túneis, há uma vista maravilhosa sobre a Horta e sobre todo o canal. Pelo meio, muitas clarabóias, pequenas salas, antigas camaratas e até instalações sanitárias.
O Forte da Espalamaca é, no fundo, a memória de um tempo que há muito passou pela ilha, mas que ali ainda parece respirar. Talvez porque o ar não cheira mal e a humidade não penetrou nas paredes. Talvez porque a ferrugem não penetrou nos metais e as roldanas continuam a funcionar como se tivessem sido usadas no mês passado. Mas, sobretudo, porque a história que ali se fez ainda está por contar. E, se não nos apressarmos, ficará por contar para sempre. Porque a venda daquele espaço a um qualquer comprador pode significar a destruição da história que é de todos nós.»
Lídia Bulcao, in Tribuna das Ilhas de 11/10/2002
Porque o tempo, por vezes, parece não ter passado e os assuntos de ontem ganham hoje uma estranha actualidade, deixo aqui uma crónica que escrevi para o semanário Tribuna das Ilhas. Foi publicada já lá vão seis anos, mas pode ser lida como se tivesse saído hoje.
«Quanto mais tempo passo nesta terra, mais me convenço de que há lugares maravilhosos ao nosso lado, cuja existência mal conhecemos. Porque estão longe dos olhos, porque o caminho não é acessível, ou simplesmente porque o acesso é proibido ao comum mortal.
O Forte da Guia e o Forte da Espalamaca, que visitei pela primeira vez esta semana, são dois desses lugares que a vista não alcança e que encerram verdadeiros tesouros. Não daqueles que valem muito ouro, mas sim dos outros. Daqueles que nenhum dinheiro pode pagar.
Neste caso concreto, encerram os dois melhores miradouros que a cidade da Horta poderia alguma vez ter. Ou não fossem os melhores postos que o exército encontrou para proteger a baía que ancorava as frotas dos aliados durante a II Guerra Mundial.
Quem sobe ao miradouro do Monte da Guia, está longe de imaginar o outro lado. Depois de ver a Ermida, olhar as caldeirinhas e a vista sobre Porto Pim, imagina-se um pouco mais da cidade e nada mais. No entanto, do outro lado do monte, que é ainda mais alto, a panorâmica de sempre ganha outra vida.
À medida que o caminho se vai percorrendo, a Horta vai-se descobrindo e com ela a baía em todo o seu esplendor. Depois do olhar sobre a cidade, vem a visão das caldeirinhas com as águas quase turquesa por baixo, a Ermida da Guia no cimo e as pastagens verdes da ilha por detrás.
Na outra ponta da cidade, no Forte da Espalamaca, o tesouro é outro e com um valor muito mais histórico. Por baixo das pastagens que todos vemos, estão vários túneis, com centenas de metros e muitos labirintos, assustadores só para quem não conhecer os cantos à casa, como o sargento Fontes, que guiou a comitiva e apresentou os recantos. Na saída de um dos túneis, há uma vista maravilhosa sobre a Horta e sobre todo o canal. Pelo meio, muitas clarabóias, pequenas salas, antigas camaratas e até instalações sanitárias.
O Forte da Espalamaca é, no fundo, a memória de um tempo que há muito passou pela ilha, mas que ali ainda parece respirar. Talvez porque o ar não cheira mal e a humidade não penetrou nas paredes. Talvez porque a ferrugem não penetrou nos metais e as roldanas continuam a funcionar como se tivessem sido usadas no mês passado. Mas, sobretudo, porque a história que ali se fez ainda está por contar. E, se não nos apressarmos, ficará por contar para sempre. Porque a venda daquele espaço a um qualquer comprador pode significar a destruição da história que é de todos nós.»
Lídia Bulcao, in Tribuna das Ilhas de 11/10/2002
6 comentários:
A prioridade, em tempos de escassez financeira, até por razões morais, deve ser suprir as primeiras necessidades. O fanatismo na preservação de património, muitas vezes sem se saber porquê nem para quê, é, como todos os fundamentalismos, pernicioso.
Os imóveis em causa devem ser extraídos aos militares e recuperados. Todavia, essa intervenção deveria ser assente numa lógica em que o pressuposto prioritário seria a sua auto-sustentação económica, como de resto acontece em países muito mais prósperos que o nosso. O património deve constituir uma mais-valia para as populações, ainda mais em regiões como esta, em que muitas das necessidades básicas e prioritárias estão por suprir. Não me repugna, de todo, que esse património possa ser adquirido por privados. A alienação poderá ser sempre condicionada a determinados usos. Ademais, quaisquer intervenções futuras, terão sempre de ser licenciadas pelos organismos públicos. Se um privado rentabilizar melhor esse património, mantendo vivas as suas memórias e características identitárias, todos teremos a ganhar. Se for a Administração Regional ou LOcal a tutelá-los tanto melhor.
O “Prémio Dardos” tem por objectivo "reconhecer o empenho que cada blogueiro ao transmitir valores culturais, éticos, literários e pessoais, e que demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas palavras”. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que acrescente valor à Internet.
E um acertou em cheio aqui. Vem pela minha mão amiga e constitui um incentivo para este blog.
As normas básicas que regem a atribuição do Prémio 15 Dardos são:
- Exibir a imagem do prémio no respectivo blogue;
- Indicar a ligação ao blogue do qual recebeu o prémio;
- Escolher quinze (15) outros blogs aos quais entregará o Prémio Dardos.
Parabéns e cumprimentos do
Luís Filipe Maçarico
O que acho mais interessante é que, na maior parte dos casos, não são os naturais a valorizar o que têm de extraordinário, mas os de fora.
No Pico, dizem-me muitas vezes que passam-se dias que nem olham para a Montanha. Quase estremeço, eu que fico a olhá-la e a repetir o gesto vezes sem conta.
Maugas tamanhas:
A questão é precisamente o facto desta alienação não estar subordinada a qualquer regra, nem tutela. É um simples leilão em praça pública, com fins livres e descomprometidos. Pode ser bom nalguns casos, mas também pode acabar muito, muito mal...
Oasis:
Não o sabia frequentador deste espaço, muito menos admirador. Só me resta agradecer a distinção e esperar que volte sempre!
José Augusto:
Sei que a rotina dá cabo de nós, mas ignorar a montanha é um pecado tão grande como ignorar o mar que se nos mete pelos olhos adentro ou o verde que incendeia as terras. Acredito que alguém o cometa de vez em quando, mas duvido que o consiga repetir eternamente... Palavra de nativa desse canal!
Embora afastado, estou totalmente de acordo com o seu «post».
As instalações estão desactivadas mas não são para «deitar fora». Ao fazê-lo está-se a deitar fora também a vossa (e nossa) Memória.
Aposto que se abrissem ao fim-de-semana, nem que fosse com os escuteiros a fazer de guias teriam uma receita semelhante ao pólo dos Capelinhos...
Oxalá alguém aí acorde para esse disparate e o faça parar!
Que saudades do TI, das nossas longas noites de trabalho, e já passaram 6 anos... Beijos
RRF
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