sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A clarividência de um arqueológo de palavras

Porque é preciso meter mãos à obra e construir tudo aquilo que ainda está por fazer nestas ilhas, deixo aqui as palavras deste arqueólogo da poesia que é Heitor H. Silva. A clarividência do poeta faialense iá indicava o caminho a seguir, sem que fossem preciso gastar milhares de euros em estudos que dizem ou consultadorias que desdizem.


«Construamos barcos para as madrugadas
insulares. Tábua a tábua, porões,
convés, mastreações, velames,
vento nas enxárceas...
Construamo-los nós mesmos: velas brancas,
lemes, mastros, cascos que se afundem
nos horizontes repetidos.
Vertiginosamente aquáticas estas mãos
que adormeceram tempo de mais
no emaranhado dos sargaços
saberão, certamente, como redimir-se.

Desçamos às profundidades oceânicas
galvanizados por essa voz extrema,
que nos toca tão de perto,
e sintamos em cada tábua que um carpinteiro
alcança a outro carpinteiro
antevisões de serras, puas, prumos,
viagens puras,
cartografia perfeita
inscrita no dorso azul e fusiforme
dos cardumes.
Inéditas seriam estas paisagens submersas
                 se o coração as não soubesse.

Construamos barcos, ilhas/barcos
derivando.»

Heitor H. Silva, in "Arqueologia da Palavra" (Horta, 1991)

2 comentários:

César João disse...

Muito bom!Não há palavras.
Um bom domingo e boa semana a todos.

Mar de Bem disse...

Heitor, construindo poemas, com toda a sua alma. Heitor, o poeta que conta dinheiros, grande Amigo, um abraço, deste lado do mar.