segunda-feira, 16 de março de 2009

A beleza da Horta, vista por Daniel de Sá

Crédito da foto: LBulcao

Porque há comentários que merecem ser posts e posts que nos mostram que os sonhos são sempre possíveis, transcrevo aqui a prenda que o escritor micaelense Daniel de Sá deixou n'A ilha dentro de mim.
«A Horta foi ela mesma e outros mundos. Nasceu portuguesa e flamenga, da imaginação e da vontade de Josse van Hurtere, senhor do Faial por mercê do infante D. Fernando. Foi porto de paragem e aguada para os navios da América, descanso de marinheiros que andavam à ventura e desventura dos sete mares, repouso de missionários que iam para o Brasil ganhar o Céu para as suas e outras almas. Ligou pelo telégrafo as duas margens do Atlântico, abasteceu de carvão os barcos a vapor, estreou o correio aéreo trazido num avião da Pan American que amarou na sua baía. Acolhe a maior parte dos veleiros que percorrem estas velhas rotas e recebe no Café Sport – o “Peter” – os seus tripulantes, que fazem do cais da marina um enorme painel onde deixam pintado o registo da sua passagem. É na cidade da Horta que está o parlamento açoriano e que vive quase metade dos quinze mil e quinhentos habitantes da ilha, que falam talvez o mais belo português de Portugal, apesar de terem sido flamengos muitos dos primeiros povoadores. O Faial é o vértice de um triângulo que se completa com o Pico e São Jorge. Uma beleza alucinante a que ninguém fica insensível.»
Daniel de Sá, in "Açores", edição Everest

9 comentários:

Anónimo disse...

Depois disto, que mais se poderá dizer?
Obrigado pela descoberta e parabens.
Um amigo do Canal+

Paulo Pereira disse...

Estou deslumbrado.
E deixo um repto para o Daniel fazer um comentário sobre o Pico...

Daniel disse...

Meu Deus, o Pico!... É uma paixão esta montanha que é uma ilha, esta ilha que é uma montanha.
Os vulcões construíram uma larga plataforma de que restam pouco mais de 433 Km2, e empilharam no meio dela, a um ritmo de dez metros por milénio, rochas sobre rochas até atingirem uma altitude de 2351, a maior de Portugal.
A montanha é o cenário de um espectáculo quotidiano de vertiginosos jogo de luz e sombra, de nuvens que a rodeiam como auréolas, que se detêm sobre o seu cume ou que a escondem totalmente. No Inverno, essas sessões diárias são ainda mais requintadas, quando a neve assume o papel principal. E, muito antes dos boletins meteorológicos científicos, já as gentes do Pico liam na aparência da montanha a previsão do tempo.
Povoar esta ilha, que é a mais recente do arquipélago, foi uma aventura e um risco como em nenhuma outra. O solo cultivável tem características mais de invenção que de descoberta. Os muros que dividem e protegem os terrenos agrícolas libertaram de incontáveis pedras o chão necessário. E, como não foi possível equilibrá-las todas em linhas ordenadas, muitas foram amontoadas, formando pequenas colinas, os “maroiços”, para ocuparem menos espaço. (Se fossem postas em linha recta no equador, seriam suficientes para dar duas voltas à Terra.) O resultado é uma paisagem arrebatadora, tão selvagem quanto civilizada, mas capaz de produzir o melhor vinho destas ilhas, de vinhas plantadas em cada buraco entre as pedras onde caiba uma cepa, o que fizeram pela primeira vez os frades franciscanos em 1493.
A fruta e o queijo do Pico são também dos melhores, e a ilha, excepto em anos de calamidade, sempre deu para alimentar os seus habitantes, que já foram o dobro dos actuais menos de quinze mil, a quem ainda sobrava muito para vender no Faial.
Além disso, há o mar, aquele mar dos destemidos baleeiros e de inestimável abundância, que até fornece para vários usos a sua água, filtrada pelas rochas quando a maré sobe e ela enche os “poços de maré”. Aquele mar tão esplêndido quando é visto do miradoiro da Terra Alta, um despenhadeiro vertical de quatrocentos e quinze metros, a melhor varanda para ver São Jorge no outro lado do canal. Porque, como se não bastasse ao Pico ser o Pico, ele goza ainda da visão tão próxima daquela ilha e do Faial. Mas é também ele mesmo a mais grandiosa paisagem de que desfrutam ambas.
(Do livro citado)
Com um abraço de reconhecimento e amizade.
Daniel

Anónimo disse...

Obrigado, Daniel Sá!
Belo texto!
Mais um...

A ilha dentro de mim disse...

Fiquei uns dias sem net, mas já vi que entretanto se produziu aqui mais uma bela troca de argumentos. Só não passo este comentário sobre o Pico para um post, porque o Basalto Negro já se me antecipou.

Definitivamente, Daniel, estas nossas ilhas habitam mesmo dentro de si. E nós só ganhamos com isso!

Carlos Faria disse...

só agora percebi a origem e o contexto do post do Basalto Negro...

Anónimo disse...

Faial, Pico... são apenas mais duas belas gotas a juntar às outras sete deste imenso copo de agua que é os açores

Mar de Bem disse...

...e eu não sei de qual mais gosto!

Eu gosto de estar no Faial saboreando o Pico, mas não me esqueço que fui forjada no Pico e, no Faial, por gente do Pico.

Houve quem dissesse que "os cestos iam cheios para o Faial e voltavam vazios para o Pico", mas isso é mais uma achega para que se entenda que o que vale é o canal que junta as ilhas.
Somos grandes porque estamos juntos; separados não somos ninguém.

SOMOS HABITANTES DAS MARGENS DO CANAL!!!

A ilha dentro de mim disse...

Essa é uma grande verdade. Juntos somos, efectivamente, muito maiores e, sobretudo, melhores...