segunda-feira, 14 de julho de 2008

O poder dessa avenida

«Percorro a avenida de lés a lés, com a velocidade que o pensamento permite e a saudade que o coração aguenta. Já lá vai quase um ano que não lhe sinto a calçada, nem lhe gabo a vista. Mas nem por isso deixei de lhe cheirar o ar de maresia, de lhe ouvir o estalar das ondas no paredão, ou de me arrepiar com os salpicos daquele mar.

Mesmo de olhos fechados, consigo sentir o rossio no ar e o salitre na pele. Mesmo de olhos fechados, consigo saborear o salgado dos lábios, que incessantemente pedem água para matar a sede. Só que esta sede não se mata apenas com água, porque a doçura do líquido não extingue a sagacidade da alma, que não dorme sequer a pensar no que o corpo lhe pede.

Mas será que pode o corpo pedir o que a distância não deixa ver? Pode a alma sofrer com a ausência do que não tem? Não só pode, como exige, como anseia desesperadamente. Como se disso dependesse a sua existência. Como se todo o mundo não bastasse para a saciar. Como se a força do mar sugasse a seiva do corpo e dele fizesse uma pedra de sal, pronta a desfazer-se ao mais pequeno estremecer.

Agora, de olhos abertos, percorro o Tejo, o Sado, o Douro, o Sena e o Tamisa. De olhos abertos, vejo o mar de Sesimbra, de Setúbal, do Algarve, do Mediterrâneo e até do Adriático. Mas, por mais que abra os meus olhos e desperte os mais profundos sentidos, não consigo captar o que os meus olhos vêem quando estão fechados, pairando sobre a marginal dessa inquieta avenida, que insiste em mergulhar no mar todos os meus pensamentos e vontades de ser.»

Lídia Bulcão, in jornal Avenida Marginal, 4/7/2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

"Fôlegos urbanos quase reais"



Título: Praça de Londres
Autora: Lídia Jorge
Editora: Dom Quixote
Preço: €10



«O último livro de Lídia Jorge é a prova de que os contos ainda vivem na literatura portuguesa. Em cinco breves histórias, a autora mostra que nem só de grandes romances vive a sua escrita, que aqui se molda com detalhes e emoções profundas. Destaque para os contos Praça de Londres - que dá nome à colectânea - e Perfume. O primeiro é de uma ternura sôfrega, tal como são sôfregos os beijos com que o homem grisalho devora a criança pequena, e o segundo é uma perfeita história de amor, contada pela memória de uma infância feita de ausências e desencontros. São histórias quase reais, urbanas e intemporais.»
Lídia Bulcão, in jornal Meia Hora, 07/07/2008