terça-feira, 25 de maio de 2010

O Tempo dos Homens


Torre do Relógio, Horta (Foto: LBulcão)


De frente para o tempo dos Homens
a escarpa é um lugar sentado,
olhando os ponteiros da vida
e os sons desse mar prateado.

Vejo cores de outros seres
e gargalhadas de dias maiores,
memórias que não se escrevem
à espera de sentimentos melhores.

Nas pedras, o rosto dorido.
Na terra, a dor que não sente.
É urgente tirar essa capa
e retocar o estuque por dentro.

Lídia Bulcão

Darrel Kastin, "o escritor assombrado pelas ilhas"


Darrel Kastin é um escritor californiano pleno de raízes açorianas. Em "The Undiscovered Island", um livro contado a partir do Faial e do Pico, o escritor desvenda o sentir ilhéu dentro de cada emigrante açoriano. Este domingo, o Diário Insular chamou-lhe "O escritor assombrado pelas ilhas" numa entrevista que aqui reproduzo e que é apenas um cheirinho das ilhas dentro dele, para aguçar apetites.


«Como começou a escrever e porquê este título: “The Undiscovered Island”, que, traduzido para português, seria qualquer coisa como “A Ilha por Descobrir”?
Eu nasci e fui criado em Los Angeles, na Califórnia. A minha mãe, Josefina do Canto e Castro nasceu na ilha do Faial. Quando eu era pequeno a minha avó vivia connosco. Ela contava-me histórias acerca da nossa família e sobre os Açores. Em 1968 ou 1969 a minha avó regressou aos Açores mas para viver no Pico, onde tinha vivido até à II Guerra Mundial. Quando eu tinha 15 anos, em 1972, toda a família foi aos Açores. Estivemos lá meio Verão e visitámos Santa Maria, São Miguel, Terceira, Pico e Faial. As ilhas afectaram-me profundamente, não apenas pela sua beleza impressionante, diferente de tudo o que tinha visto até ao momento, mas também ao ver como os pescadores, agricultores e especialmente os baleeiros trabalhavam como se fazia há centenas de anos. Voltei em 1987 e desta vez fiquei três meses e meio. Comecei a escrever histórias que se passavam nas ilhas e depois iniciei o meu romance, intitulado “The Undiscovered Island”.
Porquê este título? Porque representa as chamadas ilhas imaginárias que os exploradores portugueses procuravam. Eram reais? Eram imaginárias? Ou eram usadas para convencer as pessoas que estavam por aí, para confundi-las em relação ao que estas ilhas eram realmente, muito à semelhança do que o rei D. João II fazia, espalhando histórias sobre oceanos que ferviam e o fim dos oceanos? Não sabemos. Existem mais mistérios do que factos relacionados com esse período. Também representa a “Décima Ilha”, imaginada. No romance, o pai de Júlia, Sebastião, diz-lhe e ao irmão que eles são da “Undiscovered Island” (Ilha por Descobrir) porque se dissesse Açores teria também muito para explicar.

O romance tem como palco as ilhas do Pico e do Faial…
Sim. Visitei o Pico e o Faial várias vezes. Encontrei personagens interessantes, pessoas calorosas e com humor. E uma paisagem lindíssima. Não nasci nem cresci lá mas, de uma forma qualquer, o cheio das ilhas, a forma como a luz do sol se sente, o mar, têm-me assombrado ao longo dos anos e quando não estou lá penso em regressar.

Qual é, em resumo, a história do livro?
O livro é sobre uma jovem mulher, nos seus 20 anos, que se dedica à música, chamada Júlia Castro, que vai para o Faial para encontrar o pai, um poeta, que desapareceu. Há terramotos, rumores de barcos fantasma, uma sereia que percorre a costa, cantando na noite, boatos de homens que desaparecem de casa e um homem afogado, encontrado nas encostas do Pico. Também se fala de uma nova ilha que se ergue do oceano. No meio de tudo, Júlia tenta perceber o que o pai andava a fazer e para onde pode ter ido. Conhece um jovem, Nicolau, e descobre um quarto secreto onde o pai escrevia mas onde também coleccionava uma grande quantidade de mapas, registos geológicos, livros e vários instrumentos de navegação antigos. Convencida de que o pai navegou para a nova ilha ou para a “Ilha Encantada” Júlia decide ir em sua busca.

A quem acha que este romance apelará?
Espero que o livro apele a qualquer pessoa interessada nos Açores ou na história marítima portuguesa. E espero que cative quem gosta de livros, também. A narrativa é entrecortada pela poesia de Camões, Pessoa, Quental. Enquanto Júlia desvenda a história da sua família, encontra também o que é descobrir quem é, de onde veio. Ela viveu a sua vida separada não só do país dos seus antepassados mas também desligada da história da sua família.

Que escritores portugueses, açorianos ou não, o inspiram?
Infelizmente o meu português não é suficientemente bom para ler muito na língua original. Inspiram-me Camões, Pessoa, Eça de Queirós, Quental, Saramago, Antunes e Florbela Espanca. Dois açorianos que me inspiram são Zeca Medeiros e Luís Gil Bettencourt. Também há a música de Pedro Barroso, Amália, Zeca Afonso e Dulce Pontes.

Considera que ter raízes açorianas teve influência na forma como escreve, na maneira como encara as coisas?
Absolutamente. Quando descrevo a minha personagem, Júlia, o seu dilema é que não é das ilhas (não nasceu lá), nem dos Estados Unidos. Ela é um ser separado. Pertence ao país que existe entre estes dois. Gosto de pensar que ter raízes açorianas me deu mais imaginação. Sinto-me atraído por ilhas e muito ligado ao mar. Se bem que por vezes é difícil viver como este ser separado, ao mesmo tempo, penso, esta perspectiva ajudou-me a escrever o romance.

Qual é a impressão que tem dos Açores?
Adoro as ilhas, a sua individualidade. Visitei todas excepto a Graciosa e São Jorge, que tenho muita vontade de conhecer. Tenho uma ligação especial com o Pico e o Faial porque foi lá que passei mais tempo. Tenho também uma forte ligação com a Terceira porque foi aí que o meu avô nasceu e que muita da história da minha família se desenrolou. Também me cativam São Miguel, pela beleza, e Santa Maria, onde nasceu a minha mulher.

Que história tem a sua família nos Estados Unidos?
O meu bisavô, Domingos Freitas ou Fraga (usava os dois nomes) foi o primeiro a ir para os Estados Unidos. Ele deixou a família no Corvo nadando até a umas rochas e sendo apanhado por um navio baleeiro americano. Navegou por todo o mundo durante três anos e acabou por ficar em São Francisco. Usou o dinheiro que tinha ganho para comprar uma quinta em Santa Rosa, Califórnia. Depois de casar e constituir família foi para a ilha de onde era natural a mulher, São Jorge e ficou lá. Pode ver que tenho uma ligação com tantas ilhas… A minha avó, quando foi para a América, trabalhou com crianças. Ela e o meu avô, enquanto ele esteve cá, trabalharam em programas de rádio numa emissora portuguesa e escreveram para jornais portugueses. Um tio meu trabalhou muitos anos numa emissora portuguesa em Los Banos, na Califórnia, e outro dirigiu um jornal português na Nova Inglaterra. A minha mãe e tias sempre estiveram envolvidas na comunidade portuguesa.

Para quem escreveu este livro?
Escrevi este livro para as ilhas e para Portugal, com a sua história singular e fascinante. Passei a minha vida toda a tentar responder à pergunta: “O que são os Açores?”. Pensei que o meu romance os pudesse tornar mais reais para que outros os descubram. Acha que os americanos com raízes açorianos conhecem o arquipélago ou há muito desconhecimento?Acho que muitos não conhecem as ilhas ou as suas raízes. Algumas pessoas podem ler o livro e pensar que não passa da obsessão do escritor com a sua família, mas estão erradas. A história da minha família é a história da família de todos os açorianos, todos os portugueses. Todos os portugueses são primos e todos são filhos do Rei Dom Dinis. É isso que penso. A minha família é das classes altas e baixas, tem pobres e ricos, e as ligações com Pedro Álvares Cabral e Afonso Albuquerque, Vasco da Gama ou Colombo não são apenas dela- essa história é de toda a gente.

Pretende escrever novamente sobre os Açores?
Sim, acabei de escrever duas novas histórias açorianas. Uma colecção deve ser publicada em 2011. Espero ficar um longo tempo nas ilhas e estou curioso acerca do que escreverei em resultado disso.»

domingo, 23 de maio de 2010

Uma frota de relíquias no Porto da Horta


Delfim, Golfinho e Espadarte no Porto da Horta
(Foto: Marinha de Guerra Portuguesa)

Enquanto o Governo português tenta empurrar para 2012 o pagamento dos dois novos submarinos e o exaurido Barracuda já deixou de navegar, deixo aqui uma relíquia de tempos quase inimagináveis: o Delfim, o Golfinho e o Espadarte, os três submarinos da velhinha segunda esquadrilha portuguesa, atracados em simultâneo no Porto da Horta (algures nos anos 40). Um momento histórico que não mais se repetiu e, a ver pelo andamento do País, jamais se repetirá.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Para todos os que amam o nosso MAR

Foto: Mário Leal/Olhares.com

Em nome do mar e do que poderíamos ser se o usássemos devidamente, em nome dos sonhos que ele nos acalenta e das aventuras que nos proporciona, em nome de tudo o que cabe na transparência das suas águas e transborda da sua força avassaladora, aqui fica a minha sentida homenagem neste dia Europeu do Mar. Um brinde a todos aqueles que vivem o mar no seu dia-a-dia e a todos os outros que não o podendo viver ainda assim não desistem de o continuar a sonhar. Porque só assim ele continuará a ser eternamente nosso!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Respirando puro oxigénio


«Por agora, estou aqui. Respiro oxigénio. Chego a sentir aqueles fiozinhos de ar
que passam pelos poros (ouvi isto num lado qualquer ou li numa revista qualquer).
E não importa a forma como acabe. Todas as maneiras são boas.
»

José Luís Peixoto, "Legalize Airlines", in Hoje Não


quarta-feira, 12 de maio de 2010

Os dois ilhéus, vistos por Osório Goulart


Os Ilhéus da Madalena,
abraçados pelo mar,
em suave noite amena,
ouvem sereias cantar.

E o sonho dos dois Ilhéus,
à luz doce do luar,
debaixo do azul dos céus,
para sempre há-de durar...

Um para os céus ergue a fronte,
quer a Terra ao Céu ligar,
outro quer, como uma ponte,
duas ilhas enlaçar.

Osório Goulart (1868 - 1960)


sexta-feira, 7 de maio de 2010

Variantes simples para a equação CALF


A Cooperativa de Lacticínios do Faial só sobrevive com apoios públicos. A notícia da RTP-Açores não surpreende quem há muito vem acompanhando a situação complicada que se vive na CALF. Nem tão pouco a quem, como eu, encontra o queijo Ilha Azul à venda no Intermarché mais próximo a menos um euro do que se compra em qualquer outro ponto de venda nos Açores. E é um valor bem abaixo do preço de outros queijos tipo prato de muito menor qualidade e nenhum sabor diferenciado. Mas, curiosamente, até hoje nunca ninguém se lembrou de fazer uma simples campanha publicitária para divulgar o nome do produto no continente, onde tem o seu principal mercado. Qualquer empresário sabe que uma boa campanha faz aumentar a procura e consegue acrescentar valor diferenciado a um produto que, só por si, já é considerado um dos melhores queijos do género. Tal como sabe que só com maior procura se pode subir o preço para o valor que merece. Será que nem as mais simples regras da economia e do marketing podem ser aplicadas para ajudar a resolver esta complicada equação? A mim quer-me parecer que o Estado tem sido a única variante tida em conta até aqui. E está visto que por si não vai resolver nada. Será que não há ninguém capaz de resolver equações destas na Lactaçor? Ou será que não lhes interessa?

domingo, 2 de maio de 2010

O velho que amava uma sereia

«Ficavas sentado nas pedras da praia como quem espera um sinal divino para despertar para a vida. Permanecias imóvel, olhando as ondas, como se esperasses um navio de carga preciosa ou uma alma generosa que te arrancasse daquela dormência quase etérea.

Olhando de repente, parecias uma casca de molusco deixada para trás, pousada ao acaso nas areias da vida, aguardando que a maré te levasse de vez. Olhando uma segunda ou terceira vez, com persistência e atenção, notava-se que os teus lábios mexiam. E quando a brisa colaborava, ouviam-se sons e murmúrios arrastados pelo vento, ainda que me fugissem mais do que chegavam, sem que percebesse sequer o que diziam.

Conheci-te assim toda a vida e sempre pensei que falavas com a tua própria existência, como se procurasses no passado as parcelas que faltavam para conseguires acertar as contas do presente. Como se conversando contigo próprio procurasses ouvir o que te vai na alma, de modo a torná-la mais leve e suportável.

Ontem, juraram-se que não. Juraram-me que não falavas sozinho, nem carregavas pesos mortos nessa alma de outros tempos. Que se os teus lábios se mexiam em frente ao mar é porque cantavam. E que esses murmúrios não são mais do que melodias de outros tempos e sons que já não se fazem.

Mas porque cantaria um velho perdido em frente ao mar? Porque ficaria horas a olhar o que ninguém parece ver, alheado do mundo inteiro e das vidas que o rodeiam? Respondem-me que és um homem agradecido à vida que existe debaixo de água e que já nada consegues fazer sem repetir os sons que lá ouviste cantar.

Pormenores, ninguém os sabe, ninguém se atreve a revelar. Mas circulam de boca em boca relatos de uma tragédia que não chegou a ser, do dia em que caíste ao mar e sobreviveste para dizer. Quem te ouviu primeiro já cá não está, mas quem ficou sempre vai contando que foi obra de uma sereia desconhecida. E que desde que te salvou passas os dias assim, embevecido a cantar a sua essência perdida.

De repente percebi que a vista não me enganara. Enquanto trilhavas a voz e acertavas o compasso com o mar, esperavas de facto que o tempo te devolvesse uma existência roubada. E que a tua alma generosa é uma sereia perdida, por quem te apaixonaste sem saber, numa clarividência da vida.»

Lídia Bulcão, in jornal Avenida Marginal n.6, 30/04/2010